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A Paixão Segundo G. H.: a indiferença diante da dor ficcionalizada

Crédito: Paris Filmes

Direção: Luiz Fernando Carvalho. Roteiro: Luiz Fernando Carvalho, Melina Dalboni, Clarice Lispector. Montagem: Nina Galanternick, Marcio Hashimoto, Clarice Mittelman. Direção de Fotografia: Mikeas, Paulo Mancini.


Uma primeira coisa que a gente pode falar sobre o filme é que de fato há uma coragem considerável investida aqui. Isso porque, quando consideramos parte das decisões tomadas por Luiz Fernando Carvalho, entendemos a coragem que ele teve de ter para se trabalhar um filme que parte da adaptação literária para pensar uma proposta de um cinema que não é narrativo por excelência. Disso, residem pelo menos dois problemas.


Um primeiro estaria relacionado ao fato de ele partir de uma adaptação de um livro realmente de forma literal. Ou seja, ele se transcreve vários trechos do livro colocando-os na boca da própria protagonista, nesse caso, a personagem de G.H. e aí o que a gente tem são seguidas esquetes ou cenas performadas da própria personagem interpretada por Maria Fernanda Cândido. O fato de ela ler ou performar o texto diante da câmera é onde reside parte do segundo problema.


Porque se a gente considerar o cinema uma arte emancipada, no sentido de que a forma como a história construída, vai de certa forma, muitas vezes independer do texto escrito, o que Fernando Cândido faz é justamente uma equação inversa disso. Uma vez que, de forma até negativa, ele deixa que o componente imagético, por exemplo, perca parte da sua força a partir dessa relação.


Uma dinâmica que a protagonista vai desenvolvendo ao longo dos 120 minutos do filme e que se equaciona em uma série de repetições, muitas vezes das mesmas ações, aqui entendidas pelo monólogo. Em um primeiro momento o filme lembra muito uma abordagem utilizada em outros trabalhos que são considerados novos clássicos como por exemplo Caravaggio (1986) e Malina (1991).


Filmes que trabalham muito bem essa dialética que combina a literatura com o cinema, sem que eles tenham que necessariamente abrir mão do componente cinematográfico em função da estrutura literária prévia, ou vice-versa. Mas como isso acontece?


Uma primeira coisa é o fato de que esses filmes partem da matéria cinematográfica como base. E ainda que a gente também esteja diante de dois exemplos de filmes que também se originam e partem, ou são conduzidos, pelas perspectivas dos seus protagonistas.


Eles são, nesse sentido, obras que lidam muito bem com essa esfera do delírio pessoal dos seus narradores. Em.um campo distinto ao do filme de Carvalho há uma espécie de dinâmica de variedade do modo como o espaço cinematográfico se desenvolve. Isso significa dizer que a obra precisa estar em diversos lugares e se passar em diversos tempos diferentes para que ela se torne dinâmica? Não.


Basta que ela seja uma obra com trabalho que saiba lidar com a volatilidade dessa condição. Que ela consiga estruturar dinâmicas situacionais que, a priori mova a trama para frente ou execute situações cinematográficas em uma estrutura circulante fechada dentro de si mesma. É nesse sentido que o cinema se expande. Que ele se manifesta como uma espécie de expressão artística centrípeta, cuja orientação se dá de dentro para fora no jogo da nossa percepção.


Onde a ideia é chamar o espectador para dentro da obra a partir daquilo o que ela manifesta nessa movimentação interna para externa. Há também um componente emocional, dramático e melodramático se a gente for considerar as coisas que a personagem da G.H. não consegue acessar, por exemplo, que também vale a nossa atenção.


De fato, é tocante vermos como a atriz consegue ativar um dispositivo emocional quando consideramos todas as vezes em que ela chora diante da câmera ou que ela grita diante do dispositivo e como que isso se reverbera a partir daquilo que o corpo dela manifesta na tela.


No entanto, há um índice de exagero que, de modo mais marcante e permanente, se sobressai, negativamente é preciso se dizer. O resultado é percepção reversa, porque ao invés de nos tocarmos pelo gesto da emoção expressa pela personagem, a impressão que ficamos é apenas de uma certa indiferença diante da dor ou da catarse expressa pela figura de G.H.

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