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Ainda Não é Amanhã: uma aplicação prática da dinâmica sensível

  • Foto do escritor: danielsa510
    danielsa510
  • 9 de jun.
  • 3 min de leitura
Crédito: Embaúba Filmes
Crédito: Embaúba Filmes

Direção: Milena Times. Roteiro: Milena Times. Direção de Fotografia: Linga Acácio. Som: Martha SuzanaProdução: Dora Amorim, Júlia Machado, Thaís Vidal. Direção de Arte: Lia LetíciaFigurino: Libra Lima. Música:  Nicolau Domingues. Montagem: Marina Kosa.


Muito tem se falado, do modo menos ao mais relativamente elaborado que seja, da característica de uma suposta sensibilidade presente nas narrativas dos filmes brasileiros contemporâneos, sobretudo daqueles lançados na última década.


Nesse trabalho de estreia em longa-metragem de Milena Times, no entanto, vemos, verdadeiramente, um traço onde o sensível se manifesta não como um motivo para justificar qualquer pauta política, mensagem de uma discussão "necessária" a respeito de determinado tema, mas sim enquanto um elemento que molda, nos níveis do sentido do filme, sua posição em relação a determinadas questões.


O aborto, por isso mesmo, é uma delas. Não é apenas uma válvula temática utilizada a revelia daquilo o que o filme coloca em movimento. É um problema que vai sendo elaborado considerando as múltiplas vozes e partes do filme na sua totalidade.


Gosto bastante de como a diretora se utiliza do problema para pontuar um discurso que realoca a questão politizante dentro de um escopo que pouco temos visto na experiência cinematográfica brasileira contemporânea.


E por ser um filme de personagens, a perícia de Times em criar uma dinâmica pautada na alteridade entre essas figuras valida ainda mais sua proposta no rumo de um cinema capaz de se elaborar por meio da dialética. Para tomarmos dois exemplos recentes, isso é algo que trabalhos como Quando Eu Me Encontrar (2024) ou Kasa Branca (2025) não conseguiram fazer.


Ou seja, são projetos que, diferentemente do filme de Milena, o discurso da sensibilidade só se especula a partir daquilo o que os temas (a vida na periferia e o abandono por parte de quem se vai), naquilo o que ele possa vir a ter de mais genérico e superficial, venham a rascunhar na proposta narratologica em questão.


São insuficientes, por isso mesmo. Algo que "Ainda não é Amanhã" trabalha muito bem considerando uma dinâmica de redução que jamais se reduz à simplificação. Pelo contrário, juntas, essa dramaturgia mais contida, pautada por diálogos breves, mas instituídos dentro de uma lógica muito naturalista, coesa e significante, criam um ambiente de verossimilhança pela sua sobriedade na lida da questão a resolver.


Ficamos ao lado de Janaina o tempo todo. E essa presença partilhada por quem está do outro lado da tela se qualifica justamente por não precisarmos ver a "bagunça" na vida da jovem, da sua família ou dos seus amigos.


Todos estão juntos com ela também e operam nessa escala de contenção porque é nesse estado de consciência irretratável da protagonista que o filme em si vai orbitar e se dar a ver.


Daí tudo ser mais contido, da câmera à performance, da construção da ambiência à exceção da hiper dramatização da vida. Nem todo filme nacional precisa funcionar na escala da explosão, exploração do drama ficcional para se validar enquanto uma obra com um discurso referenciado.


O mais curioso é perceber os colegas críticos exigindo isso do filme sem considerar a elaboração de um pensamento que evoque uma consideração do cinema mínino, por assim dizer. Aquele mesmo executado a vida toda por realizadoras(es) como Chantal Akerman, Marta Mészáros, Robert Bresson ou Nelson Pereira dos Santos, por exemplo.


Ícones que sempre sustentaram, em determinados casos, decisões semelhantes às adotadas, aqui, por Times, mas que muito provavelmente não seriam questionados pelos mesmos colegas de análise em função do lugar que a autoria estabelece no curso analítico. O enquadramento do olhar e da percepção, da leitura diante do filme é mesmo um grande mistério.

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