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A Ilha de Bergman: contraproposta de um cinema intercamadas

  • Foto do escritor: danielsa510
    danielsa510
  • 28 de fev. de 2022
  • 3 min de leitura

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Direção: Mia Hansen-Løve. Roteiro: Mia Hansen-Løve. Montagem: Marion Monnier. Direção de Fotografia: Denis Lenoir. Produção: Rodrigo Teixeira. Direção de Arte: Eva Lendorph. Música: . Som: Thomas Gauder, Paul Heymans.


O cinema de Mia Hansen-Løve é aquele que, entre outras coisas, tem o poder de inspirar o olhar na nossa relação direta com a forma da arte. Modelo esse que opera usualmente numa atmosfera que mescla a experiência de uma cinematografia mais dramática com uma abordagem mais diluída em termos dramatúrgicos.


Aqui, ela parte dessa banda mais encenada para estabelecer as bases da trama inicialmente e nos familiarizar com os seus personagens centrais. Interessante que, ainda que Chris ( Vicky Crieps) e Tony (Tim Roth) concentrem essa atenção devido às posições que ocupam na narrativa, a estória não depende exclusivamente da dinâmica deles para existir.


Primeiramente porque há toda uma linha secundária de outras figuras que ajudam na condução da trama e no seu fluxo, sejam eles concretos ou de ordem subjetiva, como vemos mais a frente. O que seria, por exemplo, o personagem do andarilho que Chris encontra na tarde em que ela desiste de acompanhar o marido em uma excursão guiada pela ilha onde Bergman viveu?


Mais do que um "tipo de acessório", ele se torna um elemento de representação dessa encenação que não objetiva uma lógica espetacular e convencional de atuação no cinema. Quando Chris aceita passar parte do dia com o estudante, nada acontece, mas tudo ocorre. Ele não é uma ameaça, um assassino ou estuprador.


É só um homem que passará uma tarde com uma mulher. Para se conhecerem, eles vivem essa parte das suas histórias juntos. Sem megalomanias, vícios de constituição dramatúrgica ou equivalente. Quando esse tempo acaba e nossa protagonista volta para casa e para o seu marido, o mesmo se sucede.


Não há discussões, brigas ou qualquer tipo de conflito sobre o porquê da mulher ter "furado" um encontro que ela tinha com o esposo em uma deriva com um estranho numa ilha pouco povoada. Não importa. Tanto que Hansen-Love até brinca com isso. No diálogo entre o casal, eles insinuam se houvera alguma traição a respeito disso tudo.


Falar dessa leveza na construção das situações e falas que o filme emprega é importante porque atesta essa linha de uma cinematografia do futuro que tem na recusa dos antigos clichés dramáticos uma de suas maiores forças. Contra esse estar hiperdramatizado é que a assinatura de Hansen-Love se estabelece.


Numa segunda linha de pensamento, a aposta nesse entrecruzamento das realidades referenciais do filme em si funcionam muito bem dentro desse subtexto metalinguístico. Ao contrário de se apoiar numa narrativa autorreferencial e esvaziada em um senso fetichista sobre tudo o que Bergman evoca, o longa cria janelas a partir disso.


Refletindo sobre uma proposta intercamadas, Hansen-Løve aposta na lógica do filme dentro do filme do filme. Em nenhum momento, no entanto, sentimos estar desorientados em relação em que zona estaríamos situados a cada transição. Nisso, a fluidez entre aquilo o que é comentário sobre a arte de Bergman, o filme que vemos e aquele narrado pela protagonista é continua.


O tempo e espaço aqui seguem alinhados como que numa perfeita simetria desse ficção que joga com os códigos do que ela mesma é quando tomada pelo pensamento da vida real. Uma narrativa que parece não conduzir a um final fechado. Mas certamente a um epílogo que acima de tudo, é uma espécie de defesa da autora na sua oposição àquilo o que ela lê que o conjunto da obra do mestre sueco, entre coisas, pode ser.


Não um apanhado de narrativas alinhavadas pelos comentários sobre a morte, a tragédia, a descrença e a crise da existência humana na sua totalidade. Tudo isso perpassa o olhar de Hansen-Love e o próprio modo com que os personagens do seu filme olham para esse universo ficcional. Mas esse amor e generosidade não se anulam por uma leitura alienante da realizadora diante da obra do autor referenciado.


O modo como ela decide encerrar seu filme (aqui entendido enquanto elemento concreto) é a maior prova disso. Direto e singelo, ele não precisa negar tudo o que estabeleceu anteriormente nas suas 1 hora e 50 minutos de duração. Ele pode ser potente e terno como que um abraço que uma mãe dá numa filha que há algum tempo não se viam. É perfeito.

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