A Praia do Fim do Mundo: uma imagética de convite ao duplo
- danielsa510
- 3 de out. de 2022
- 3 min de leitura

Direção: Petrus Cariry. Roteiro: Petrus Cariry, Firmino Holanda. Produção: Bárbara Cariry . Montagem: Petrus Cariry, Firmino Holanda. Fotografia: Petrus Cariry. Som: Érico Paiva.
A concepção visual é algo muito marcante no filme em sua totalidade. Muitas são as questões que nos aparecem quando estamos discutindo a representação visual do cinema, sobretudo quando pensamos o ponto na consonância com os aspectos conceituais e dramatúrgicos mesmo. Aqui, Petrus Cariry alinha muito bem essas atmosferas em prol do universo que o longa dá a ver.
Ambiência essa que parte de uma premissa naturalista para então ir tingindo - se de tons hiperrealistas que reforçam toda uma construção de estranhamento em torno da realidade que envolve as personagens. Gosto particularmente de como nunca estamos, assim como as figuras de Ciarema, imersos em um só tempo ou instância espacial.
Pensar essa visualidade em branco e preto diz muito disso. Dessa imageticidade que nos convida a um duplo (ou seria dúbio?) passeio. Vamos à frente para uma ideia de contemporaneidade empacada no tempo, mas também estamos sempre com um pé atrás no passado de uma temporalidade que o teor monocromático das suas imagens evocam incessantemente.
Muito do peso que a narrativa concentra vem disso também. O que é muito bom porque não sentimos como se esse mal estar que ecoa no cotidiano da estória seja tecido forçadamente. Ele é costurado a cada novo segmento da obra. Não parece ser executado de forma apressada, ainda que seja estabelecido objetivamente.
Essa suposta precisão é sentida exatamente pela própria noção do filme feito sob a concepção dos "planos perfeitos". Nessa lógica do "one perfect shot", a câmera de Petrus ainda assim não se subverte. No sentido do trabalho que acaba por se trair. Entendemos a grandiosidade de certos planos e a precisão de determinados enquadramentos, mas eles nunca operam gratuitamente.
Eles atuam dentro dos propósitos que o filme estabelece e estão ali dispostos a sedimentar essa visão certeira de se contar os eventos por meio de imagens que melhor e indubitavelmente expressem o contexto ali descrito e apresentado. Essa percepção é o que salva grande parte parte da prática do cinema contemporâneo.
Ou seja, falando - se dessa lucidez que o autor/realizador pode ter diante daquilo o que ele propõe. Ele pode exortar um mero fetiche imagético a partir da dimensão visual do filme (Ema e Ida levantam muitas discussões sobre isso) mas também acionam um foco de um fazer centrado na experiência do filme como uma célula indivisível à técnica de retratar mundos por meio das imagens.
Esse é um desafio que o cinema feito no Ceará sempre lidou e tem de lidar. Nossa cronologia parte muito desse estado de recriação de um mundo que ora pode ser contado por meio de alegorias, ora de modo mais direto. Seja pela expansão da veia fantasiosa ou do peso das vertentes dramáticas e documentais, a potência dessa cinematografia se reafirma ao longo de décadas se fortalecendo disso.
Por partir da mescla desses elementos, ainda que os gêneros se embaralhem em muitos momentos distintos, é que "A Praia..." ecoa vitalidade. Ele se alimenta do escopo regionalista para ir mais longe. Nesse salto, flerta com o thriller, o suspense, o terror e o filme - catástrofe. Vai de Victor Sjostrom a Carlos Saura, passando por Béla Tarr, Apichatpong Weerasethakul e Robert Eggers numa prova incontestável dos possíveis que a arte cinematográfica alude. Um filmaço.
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