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Aftersun: a despretensão como carga dramática

  • Foto do escritor: danielsa510
    danielsa510
  • 5 de jan. de 2023
  • 3 min de leitura

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Créditos: A24

Direção: Charlotte Wells . Roteiro: Charlotte Wells. Produção: Barry Jenkins. Montagem: Blair McClendon. Fotografia: Gregory Oke. Direção de Arte: Guzin Erkaymaz. Som: Vijay Rathinam. Música: Oliver Coates.


Uma das coisas mais interessantes de Aftersun (2022) é esse senso de despretensão que ele encarna. Ele é um filme indie, alternativo, dessa leva de obras que operam ali numa espécie de escala orçamentária mais contida, mais reduzida e que a partir disso vai trabalhando questões que são tanto da ordem da operacionalização e da técnica quanto da relação mais conceitual que ele estabelece enquanto obra artística mesmo. E aí o que a gente tem é uma obra que ganha corpo e que encontra sua potência exatamente na modulação dessas operações.


Em termos de estrutura, por exemplo, é um trabalho bem clássico, no sentido que a gente parte do acompanhamento daquilo o que seria alguns dias de férias que a protagonista tem ao lado do pai e de como vamos acompanhando os dois na passagem desses dias pela Turquia do início da década de 1990. A própria construção estrutural do longa ocorre numa perspectiva fragmentaria também, já que muitas vezes percebemos saltos na forma como a narrativa está sendo contada.


Esse é um ponto interessante porque o que a diretora estabelece, e o que entendemos em determinado momento, é que ela está contando essa história a partir de uma lógica fragmentada da visão e das lembranças que Sophie tem dos fatos que aconteceram mas ao mesmo tempo a gente vai se dando conta também que esses eventos se tornam cortados porque passamos a duvidar da própria narrativa que a garota vai construindo.


Porque neste jogo entre aquilo que é memória e o que aconteceu, o filme brinca com a difusão desse espaço narratológico. Dessa forma como os acontecimentos são minuciosamente e sutilmente colocado em cena e investigando os efeitos diretos daquilo o que vai ocorrendo ao longo dos dias desse pai e dessa filha. Isso é algo interessante porque o filme nos coloca para pensar também sobre outras questões como a própria ideia da veracidade que a gente credita na nossa experiência com o filme em si.


Ou seja, eu sei que estou diante de uma ficção, sei que estou vendo uma obra de arte, mas antes de eu me jogar dentro dela ou ser tragado pela história que ela coloca pra mim, eu posso me colocar no lugar daquele que duvida.


E esta narrativa ficcional realmente é uma estrutura que tem na sua gênese o elemento da dúvida porque passamos a duvidar até se aquilo o que aquela personagem fictícia, criado a partir da mente da autora, está querendo nos colocar, fala da "realidade" e da "verdade" da estória contada.


Esse é um tipo de filme que poderíamos chamar de um "filme de risco" no sentido de que ele está o tempo todo se colocando neste lugar da descrença. Que é um lugar super arriscado e que parte muito do olhar da pessoa que está assistindo o filme, ou seja, do telespectador. E quando pensamos no na figura do pai, nesse caso, Calum, nunca sabe ao certo o que aconteceu com aquela figura.


Ele é um personagem fraturado porque tem questões não resolvidas. Percebemos que ele lida com uma espécie de bipolaridade, de coisas que estão sendo apresentadas como que a partir de uma cortina da qual a gente só consegue enxergar pequenos vestígios de luz em suas evidências. Como se nunca conseguíssemos levantar o anteparo todo.


Charlotte Wells nunca deixa isso claro para nós. O que é muito bom porque é o que vai nos movendo a frente no filme, sempre adiante pra tentarmos entender o que que aconteceu e acontece com esse personagem. Mas não somente com ele, porque a figura da garota também traz na sua gênese essa semente muito positiva de uma personagem que é opaca, falando aí nos termos do que propõe Ismail Xavier na sua teoria da transparência e da opacidade.


Ou seja, nunca conseguimos atravessar o corpo nem a mente desses personagens. Porque a gente não pode, de certa forma, acreditar nos próprios elementos que eles colocam em cena, como dito anteriormente.


No fim, o que Wells nos responde é que na esteira do que já foi dito e apresentado no cinema narrativo, talvez não caiba ao realizador "inventar" o gesto da direção. Basta reconhecer o ato da releitura conceitual e partir disso para propor olhares minimamente inventivos, desconstruídos pela disposição de contar bem.

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