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Aniquilação: O virtuosismo de um Sci-Fi reimaginado

  • Foto do escritor: danielsa510
    danielsa510
  • 12 de mar. de 2019
  • 4 min de leitura

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Direção: Alex Garland. Roteiro: Alex Garland, Jeff VanderMeer. Montagem: Barney Pilling. Direção de Fotografia: Rob Hardy. Design de Produção: Mark Digby. Efeitos Visuais: Hayley j. Willliams. Música: Geoff Barrow, Bem Salisbury.



Aniquilação (2018) é um filme a ser lembrado para sempre. A ficção científica como gênero foi e tem sido, ao longo dos anos, representada de variadas formas com obras que modulam projetos de maior e menor complexidade. Aqui, entretanto, estamos diante de um trabalho autoral que parte de um arcabouço referencial riquíssimo na adaptação da literatura para o cinema.

Dirigido por Alex Garland e por ele adaptado a partir do romance de Jeff VanderMeer, o longa narra a história de Lena (Natalie Portman), uma bióloga que, juntamente a outras quatro cientistas, se inscreve para uma perigosa e secreta missão em uma zona misteriosa onde as leis da natureza não se aplicam. Para além disso, o longa se expande na sua proposta miscelânica.

O drama, a ficção científica, o filme de aventura e o horror se cruzam em determinados pontos a exemplo do que vimos, no também excelente, Ex-Machina (2015). Neste filme, o sci-fi e o terror (identificado como o sentimento de medo e expectativa que precede a experiência de algo horrível) são os principais ganchos que conduzem a sua atmosfera.


Já em Aniquilação, é o horror (ou a sensação que se tem após ocorrido o contato com alguma experiência desagradável e assustadora) que prevalece na maioria dos seus 115 minutos de duração. Isso traz para a obra uma interessantíssima complexidade, sobretudo no que diz respeito à expansão das possibilidades narrativas dessa espécie de “filme intergênero”. Ou seja, dessa obra que se apropria dos códigos de outros gêneros e se constrói a partir dessa correlação.

Essa decisão, a propósito, é o que garante a solidez deste longa em detrimento às experiências genéricas que acompanham o cinema de ficção científica em sua maioria. O que este filme faz é se livrar ou repensar todos os excessos dessas obras. Em termos de protagonismo, podemos nos perguntar quais as motivações que levam Lena em sua jornada.

E diferentemente de personagens superficiais, como por exemplo, os heróis de Armageddom (1998), não é o ufanismo ou algo do tipo que induz nossa protagonista em sua decisão de explorar os mistérios daquele enigmático lugar. É a necessidade que ela tem de tentar reparar erros cometidos em um passado recente. Portanto, o gatilho para o coeficiente da aventura do longa é o drama pessoal e não a sua necessidade de salvar a humanidade.

Para além disso, a representação feminina também reafirma uma feliz tendência que o cinema de gênero contemporâneo tem adotado ao evidenciar a figura da mulher como o centro da narrativa ali contada. A exemplo de outros brilhantes trabalhos como Sob a Pele (2013) e A Chegada (2016), Aniquilação coloca esse arquétipo no centro de uma trama que busca refletir sobre a condição humana em sua inconstante interação com aquilo o que não lhe é conhecido. E a coragem é evocada como um traço que define essas mulheres, cada uma a seu modo.


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No filme, o arquétipo da figura feminina está no centro da narativa.

Ou seja, a figura do alienígena é tomada como um grande enigma e não necessariamente uma ameaça unidimensional. Quando entramos na zona do “Brilho” com as cinco cientistas, somos introduzidos aos poucos às suas ameaças e perigos. Mas nada disso é afirmado no filme como um tópico de vilania gratuita. O coeficiente científico no filme é que explica as alterações que a natureza daquele local tem sofrido em função das atividades alienígenas, desde então.

Logo, os predadores gigantes, a fauna e a flora geneticamente alterada que vemos são elementos utilizados na trama muito mais em função da contextualização sobre aquele lugar, do que de uma intenção espetacular que apresentaria esses bichos e seres como acessórios narrativos a exemplo do que vemos em obras como Kong: A Ilha da Caveira (2017), por exemplo. Em relação à criação de atmosfera, impressiona também como Aniquilação não cede às muletas de uma precária e limitada gramática cinematográfica.

A sua relação entre conceito e forma, assim como os seus elementos temáticos e técnicos (no trabalho de som e imagem) o elevam bastante na direção de uma proposta honestamente virtuosa. E o cinema é, por natureza, maniqueísta em um sentido de modular as emoções e sentimentos daquele que se encontra diante dele: o espectador. A trilha sonora, por exemplo, é um condutor poderosíssimo do modo como o filme conduz a percepção do público.

Mas em vez de ditar, Alex Garland opta por sugerir uma chave sensório perceptiva a despeito dos trabalhos de som que notamos em boa parte dos blockbusters de Hollywood. Em detrimento àquela banda sonora genérica e padronizada dos longas de ação contemporâneos, Aniquilação adota uma condução feita por cordas, violões, cantos líricos, sintetizadores e o próprio som direto, aqui, ditado pelo silêncio, para orientar diferentes momentos da sua narrativa.

Muitos colegas parecem não aceitar essas decisões que alguns filmes do cinema contemporâneo propõem. Como justificativa, muitos alegam uma falsa intenção do realizador naquilo o que ele intenta dizer. O apuro estético e conceitual de filmes como o próprio Aniquilação são, no prisma de muitas dessas pessoas, quase um insulto. Tal reação é interessante porque soa mais como um rancor do analista que se vê deslocado do seu pretenso lugar de “domínio” reflexivo ante o filme.

Mais do que negar o bom cinema, vale reconhecermos o trabalho das obras que nos instigam um olhar alternativo, denso e reflexivo. Onde o(a)s mocinhos (as) sejam, na verdade, dúbios. Ou que as “ameaças”, mesmo que vindas do espaço, nos permita olhar o contexto da obra sob seu ponto e vista. Esse é o convite que um filme como Aniquilação nos propõe, e por isso mesmo, não temos como entrar em contato com uma proposta assim que não seja pela via de uma honesta reflexão. Resistir a isso chega a ser burrice.

 
 
 

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