O Agente Secreto: sobre dispositivos e intenções fílmicas
- danielsa510

- 26 de set.
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Direção: Kleber Mendonça Filho. Roteiro: Kleber Mendonça Filho. Produção: Wagner Moura, Brent Travers, Emilie Lesclaux. Direção de Fotografia: Evgenia Alexandrova. Música: Mateus Alves, Tomaz Alves de Souza. Som: Moabe Filho, Pedrinho Moreira, Cyril Holtz, Tijn Hazen. Montagem: Eduardo Serrano, Matheus Farias. Maquiagem: Marisa Amenta.
Considerando sua duração total de cerca de duas horas e meia, entendemos que O Agente Secreto (2025) parece ter mais tempo do que de fato ele precisasse, necessariamente, vir a ter. Soa como uma produção inchada, ainda que entendamos a presença da sua envergadura, seja em termos conceituais, naquilo o que o componente narrativo equaciona, ou em termos da condição transnacional que a coprodução Brasil-França-Alemanha-Holanda reflete.
Logo, essa ideação do "jeitinho brasileiro", prática mambembe que a personagem de Maria Fernanda Cândido afirma em determinado momento do filme, numa leitura prática desse cinema como processo, não se aplica na realidade com que a obra de Kleber foi concebida. Não nos enganemos, tem muito dinheiro, entre Reais, Euros e outras moedas possíveis, envolvido aqui. Isso é um ponto, já.
Retornando à questão inicial, óbvio que no exercício da realização, é sempre o cineasta quem decide o tamanho da obra em termos dessa temporalidade cronométrica. Mas na experiência enquanto espectador, é quase invariável a percepção daquilo o que é excesso e o que é efeito no curso da prática audiovisual.
Em termos efetivos, gosto do fato de a narrativa ser conduzida a partir de uma linha de eventos pautadas na vida de um único personagem de onde toda a trama vai se desenrolando e se ramificando ao longo de três diferentes capítulos e um epílogo.
Mas ao mesmo tempo não sei se, dentro dessa estrutura proposta, o filme encontra saídas concretas o suficiente para endossar um discurso enquanto cinema mesmo. Permitindo-nos uma breve digressão, é como pensarmos juntos o que faz de um filme aquilo que ele vem a se propor a ser?
Tomando como referência a própria filmografia de alguém como Mendonça Filho, ficamos com a sensação de que o compromisso final da obra, em si, não é nem com o estabelecimento de uma mensagem macro sobre os fantasmas de um passado em um país marcado pela violência do Estado como o Brasil. Obviamente isto está inserido no rolo fílmico.
Mas me parece que o desejo prioritário, aqui, está mais ligado a uma intenção meio despropositada do filme de "falar" com quem estaria do lado inverso da tela. Na sua tendência básica de estabelecer e proporcionar ao espectador uma experiência estética, o cinema sempre facultou a palavra a quem esteve desse lado do ecrã.
O problema de parte da cinematografia brasileira contemporânea reside, justamente, nesse desejo desmedido da obra em estabelecer ou manter a todo custo o engajamento de uma espectatorialidade que presumiria-se já em estado de anestesia.
Na comparação com algo como Motel Destino (2024), por exemplo, a piadinha alçada em momento marcado ou a fala/situação elaborada visando um efeito de cunho lacrador, ao invés de catalizar toda uma pregressa ambiência de potencialização narratológica em torno de um tema, como é a violência da vida e da política que a rege nos seus múltiplos aspectos em sociedade, nos remete a um processo de descarga gratuita, somente.
Peguemos como exemplo uma figura como a personagem de Dona Sebastiana. Apesar de ela ter uma relevância dentro da premissa apresentada na trama, todas as suas aparições, invariavelmente falando, só desembocam na sua figura enquanto alívio cômico.
Vai ver ela nem tenha sido pensada para funcionar dentro dessa lógica, mas considerando o dispositivo em torno de uma exibição em sala de cinema lotada, o riso do público a cada aparição ou palavra dita pelo personagem, exemplifica bem isso, acaba sendo um termômetro de um tópico como esse. Isso é interessante porque muitos personagens até evocam uma potência imanente, própria da construção da sua figura.
O delegado figurativo, os seus subordinados, o pesquisador "aposentado", o matador de aluguel. Todos são figuras que parecem conter um universo em si mesmo, mas não se expandem no acompanhamento do fluxo daquilo que a narrativa poderia vir a apontar.
Ressalto o uso no condicional por entendê-los como tipos possíveis, mas que nunca parecem se materializar concretamente para além de uma ideia daquilo o que representariam dentro da realidade fílmica. Nisso, desembocamos na descartabilidade de determinados personagens em si, principalmente considerando a quase nula funcionalidade deles.
Os casos mais contundentes são os dos personagens Claudia, interpretada por Hermila Guedes; Hans, por Udo Kier; e Elizângela, por Geane Albuquerque. A ideia da nulidade pode ser aplicada a cada um deles muito em função da dispensabilidade dos personagens em termos de efeito nos eventos da narrativa.
Eles não implicam absolutamente carga alguma a partir do que acontece ou deixaria de acontecer no filme. É o que poderíamos entender como uma potência dispensada. Não é nem que todo personagem precise ser "funcional" dentro do fluxo de uma narrativa. A funcionalidade engloba várias cargas distintas de aplicação e muitas vezes nada tem a ver com a ação que o personagem move na trama.
Os trabalhos de realizadores como Aki Kaurismaki e Roy Anderson são excelentes exemplo disso. De filmes onde a inação dos personagens são o índice base ou a força motriz que imprime distinção à obra. Apesar disso, entendemos, sim, que o filme de Kleber é essencialmente narrativo, na comparação com a abordagem utilizada por Ainda Estou Aqui (2024) ou mesmo O Dia que Te Conheci (2024).
Fato é que, saindo um pouco do filme do Kleber, ou mergulhando um pouco mais fundo nele, na verdade, compreendemos que, desde seu lançamento na França, em maio deste ano, o comentário sobre o uso de digressões ou elementos pinçados na narrativa, como a questão do tubarão encontrado com uma perna humana encrostada na sua barriga ou da inserção de lendas urbanas, como no caso da "Perna Cabeluda", não surgem como comentários que, a posteriori, viriam a ser retomados no curso da linha narratológica do longa-metragem.
Eles são reiteradamente retomados no curso da trama e acabam deixando de ser uma positiva sugestão, uma indicialidade até, e se tornam uma muleta esvaziada pelo uso excessivo. Perdem, portanto, o traço da sutileza que, gostemos ou não, havia em trabalhos pregressos do diretor, mais especificamente em O Som ao Redor (2012).
Falando justamente dessas lacunas onde "nada aconteceria", há um momento no filme em que Elizângela digita algo numa antiga máquina de datilografia. Enquanto ela aperta os botões a esmo sem inserir um folha de papel no equipamento, Marcelo, interpretado por Moura, a avisa da ausência do material para a escrita. Eles se olham e a mulher diz: "Sou cargo comissionado", algo do tipo.
Todos na sala de cinema riem. Esse excerto também nos apontam algumas pistas possíveis de leituras estruturais do filme como um todo. A mais plausível delas parece ser a desse uso excessivo das falas programadas como inserções cômicas, já pontuadas anteriormente, e que revelam essa intenção proposital de uma resposta quase induzida do espectador na sua passividade não usual.
Seria o filme uma comédia de erros? Fiquei muito pensando como Fargo (2014 - 2024) lida com isso sem abrir mão da sutileza dessa construção. Porque, ainda que a série de Noah Hawley e o filme de Mendonça Filho sejam obras distintas, de formato e propostas diferentes, ambas lidam com os códigos de um cinema de gênero como a ação, por exemplo.
A ideia da elaboração em torno de uma comédia de erros talvez não se aplique na sua gênese ao longa-metragem brasileiro, mas há algo na sua essência que dá pistas dessa manifestação desse subgênero em alguma medida, ainda que o drama histórico prevaleça, entre todas as digressões as quais Kleber, no seu direito enquanto cineasta, não abriu mão.



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