Antes do Amanhecer: A dinâmica do amor como ventura
- danielsa510

- 11 de jun. de 2019
- 3 min de leitura

Direção: Richard Linklater. Roteiro: Richard Linklater, Kim Krizan. Montagem: Sandra Adair. Fotografia: Lee Daniel. Produção: John Sloss. Design de Produção: Florian Reichmann. Direção de Arte: Michael Suchy. Música: Arlene Fishbach
O cinema dos anos 1990 passou por importantes momentos de rompimento e aparição de novas perspectivas em diferentes partes do mundo. Se na América Latina a cinematografia brasileira e argentina despontavam com uma renovada retomada em sua produção; na Europa e América do Norte, vimos a proposição de movimentos como o Dogma 95 e do Cinema Independente nos Estados Unidos como um novo fôlego para a produção daquele final de século XX. É dentro desse contato que surgem obras como “Antes do Amanhecer” (1995).
O filme conta a estória de Jesse (Ethan Hawke) e Céline (Julie Delpy), dois jovens que se encontram em um trem na Europa e acabam passando o resto do dia juntos em Viena. Infelizmente, à medida que as horas vão passando eles se dão contam de que precisam enfrentar uma dura verdade: aquela provavelmente será a última noite das suas vidas como um casal.
Partindo de uma honesta reflexão sobre a potência da juventude e das inúmeras possibilidades de vida proporcionadas pelo amor, Richard Linklater apresenta esta que, certamente, é sua obra máxima dentro de uma carreira que tem o cinema como uma ferramenta de investigação incessante sobre o tempo e os afetos nas nossas vidas. Logo, Antes do Amanhecer é antes de tudo um trabalho que parte do romance como ventura e não como uma muleta para conceitos clichés ou mesmo conservadores.
Há uma instigante proposição de um cinema que parece unir o que de mais potente o clássico tem, em termos de uma narrativa que remonta muito a uma espécie de oralidade. De um dialogismo quase incessante, nutrido por personagens que parecem não caber dentro do mundo que se desenhava a sua frente. Esse mundo, na verdade, faz-se pelas ideias e reflexões que eles colocam em pauta a partir do gesto do movimento. Em trânsito ou a partir de um estar contemplativo, Jesse e Céline modelam um universo por vir.
E não por acaso, chegamos a um dos índices mais marcantes, não apenas desse longa, mas da filmografia de Linklater: o caráter de transitoriedade feito por esses tipos por ele criados. Aqui, assim como nas outras duas partes que compõem a trilogia original (Antes do Por-do-Sol/2004 e Antes da Meia-Noite/2013), os passos acompanhados pelos diálogos e os encontros do acaso são a tônica regente da obra. Para isso, planos sequência longos de até 6 minutos são experimentados em uma espécie de mergulho pelas possibilidades que a forma e o sentido fílmicos podem dar a ver.
O interessante é notar que, a construção da estética do filme segue um rigor que não coloca o plano como uma moldura ou uma pintura. Não sentimos uma intervenção mais forte de qualquer correção de cor, ou mesmo na necessidade de uma estrutura feita por quadros mais compostos. A câmera tem como ponto de execução sempre os protagonistas. A cidade e seus ornamentos, vias e construções são parte dessa paleta, mas todos esses elementos encabeçam o filme muito mais em um nível secundário.
O que está em jogo no filme é a dinâmica a nível da construção de uma subjetividade que se dá pelo olhar partilhado. É o embate dialógico e a dança dialética que solidificam a teia conceitual e formal de Antes do Amanhecer. Essa é a sadia contradição que dotam essas personagens de uma tão original. Eles não são idealizados. A relação que ambos mantêm não é construída a partir de um roteiro que se pensa por meio de convencionalidades do gênero. O encontro estava escrito, mas não sentimos essa previsibilidade ao longo dos 101 minutos de duração do filme.
A estória de amor está ali, mas sua apresentação dá-se na junção de elementos distintos do romance enquanto gênero. Ele ocorre pela magia da descoberta de que Jesse e Céline não são um só. Eles são dois e a força do sentimento que um criou pelo outro vem do entendimento que eles são diferentes. Unos, pelo laço criado ao longo de um dia em Vienna. E divididos pelo senso de maturidade que prevalece em todos aqueles que entendem que o amor, assim como tantas outras coisas em nossas vidas, não duram para sempre, tal qual o amor entre esses dois. Pelo menos não antes do amanhecer.



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