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Aquarius: a conceitual teia do novíssimo cinema brasileiro


Crédito: Vitrine Filmes

Direção: Kleber Mendonça Filho. Roteiro: Kleber Mendonça Filho Montagem: Eduardo Serrano. Direção de Fotografia: Pedro Sotero e Fabrício Tadeu. Produção: Emilie Lesclaux. Direção de Arte: Juliano Dornelles e Thales Junqueira. Música: DJ Dolores. Som: Nicolas Hallet.


Vivemos um dos melhores momentos da cinematografia brasileira. Talvez est panorama sempre tenha existido no espectro do cinema nacional. Porque quando olhamos para essa fase que se desenha nessa segunda década dos anos 2000 é que temos uma prova concreta do quanto a realização no País tem se cristalizado mais e mais. E no meio dessa cristalização é que apontam filmes como o mais recente trabalho de Kleber Mendonça Filho: Aquarius (2016).


Clara (Sônia Braga) é uma jornalista aposentada, viúva e mãe de três filhos adultos, que mora em um condomínio na orla de Recife e que se vê sob uma forte pressão por parte de uma nova construtora, que adquire direito sobre todos os demais apartamentos do residencial, exceto o de Clara. Por sua forte relação afetiva e de memória com o local, ela se opõe de todas as formas a vender o imóvel, travando uma intensa batalha contra o empresário, sua família e, em certa medida, em função dela mesma.


Um filme é um exercício intelectual que pode evocar uma infinidade de abordagens e conceitos, é bem verdade. Mas Kleber parte de uma perspectiva muito concisa de apresentação e desenvolvimento da estória em questão. Sim, em seu segundo longa-metragem, ele segue discutindo o espaço público, como fizera em seu também brilhante “O Som ao Redor” (2013), mas inserindo mais camadas conceituais que dotam Aquarius de uma consistência mais aparente que seu antecessor.


E, em termos de conteúdo, o que percebemos são micro temas que vão preenchendo e, mais do que isso, dão forma e ritmo a uma narrativa que se desdobra por sua vez através de 3 capítulos com duração média de 40 a 45 minutos cada um. Assim, temos a discussão da resistência da nossa memória afetiva por meio de um laço hedônico, como o lugar onde vivemos, por exemplo. Clara passou grande parte de sua vida no Aquarius, e não abre mão de deixar essa variante por qualquer valor em dinheiro que seja.


É a abordagem da idealização como tema fulcral num período em que nossos ideais, enquanto nação, passam por um delicado processo de destroçamento fantasiado de “reconfiguração”. É a violência. Retratada na figura do traficante playboy, também reconfigurado, e que passeia na Avenida de Boa Viagem pensando estar despercebido. Não aos olhos do cinema que se pensa contemporaneamente.


E também é a intermitente segregação social brasileira, dividida pelas linhas não mais imaginarias, mas assinadas pelos arranha-céus que contrastam e já invadem os lados “menos nobres” do Nordeste brasileiro com as médias residências e suas lajes, sejam em Recife ou em Fortaleza. Sim, essa mescla é real. É a contradição do contemporâneo que o cinema necessita dar a ver.


No longa, vemos esse tema de forma muito insipiente, é bem verdade. Sequências que talvez não necessitassem de uma maior duração acabam se estendendo mais. Como, por exemplo, na conversa de Clara e suas amigas no barzinho da terceira idade. Mas, quem sabe seja essa uma forma que Kleber entendeu de dizer: esse é um fio de ideia para outros trabalhos, vocês conseguem ver?!”.


E se estamos falando de temas dentro da construção fílmica, é maravilhoso percebermos como nossa cinematografia tem tido um olhar muito maduro e clínico ao fugir de excessos e tomar poder ao não abrirmos mão de uma produção iminentemente sólida em termos de técnica e de forma.


O uso das elipses, dos enquadramentos que delimitam um olhar uniforme ao longo de todo o filme, juntamente com uma montagem (infelizmente não assinada pelo grande montador João Maria) que acompanha uma proposta de cinema naturalista e onírica – como tão bem nos ensinou Ingmar Bergman – e um elenco que prova o quanto nosso País tem poder de representação, são um feliz atestado de que aquele olhar viciado de que o cinema nacional não presta, enfim, já não se sustenta mais.


É como pensarmos a nossa cinematografia como uma imensa teia conceitual. E nessa linha de raciocínio, Aquarius é mais um trabalho que, ao lado de tantos outros, lançados nas últimas décadas, tem reforçado uma bandeira de resistência a uma produção criativa e livre para colocar as questões que nos são importante neste momento.


Política, Saúde Pública, Arte, Sexo e Comportamento Social são a miríade de temas que formam essa mesma teia. Basta olharmos para nossa produção e perceberemos isso. De um Tatuagem (2015) a um Medo do Escuro (2015), de Ivo Lopes, temos uma voz desse cinema brasileiro que transcende seu próprio fazer e segue na sua vocação de incomodar, instruir e partilhar.

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