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Aracati: o embate com aquilo o que não se vê


Crédito: Mirada Filmes

Direção: Julia De Simone, Aline Portugal. Roteiro: Julia De Simone, Aline Portugal. Montagem: Clarissa Campolina, Luiz Pretti. Direção de Fotografia: Victor de Melo. Produção: Caroline Louise, Julia De Simone, Aline Portugal, Pedro Diógenes. Som: Pedro Aspahan, Marco Rudolf, Hugo Silveira.


Como filmar aquilo o que não se pode ver? Interessante que, ainda que a proposição que parece ativar uma série de questões no filme não fique restrita à concepção metodológica daquilo o que podemos entender como o filme de tese em si.


Ele abarca isso, mas assim como outros trabalhos feitos por e em parceria com a Alumbramento, há sempre uma potência organizacional e criativa que leva a obra sempre à frente.


No campo da literalidade, é curioso o exercício que podemos fazer enquanto o assistimos e vamos sentido as situações, os espaços, as paisagens e figuras que encontramos à medida que Julia e Aline vão entrando Aracati coração a dentro.


Estaria tudo isso descrito anteriormente no plano da sua roteirização ou não? Isso parece pouco importar. Porque o que vale aqui é a possibilidade de incorporarmos essa variante fabular do acaso como fundamento da dramaturgia mesmo.


Afinal, o que seria o encontro com o senhor naquele campo seco e extenso senão uma feliz coincidência. Ele aparece evidenciando toda a potência daquilo o que vem do extraplano. Da direita para a esquerda, montado no seu cavalo cansado ele fala da vida, do cotidiano, daquilo o que foi, do que é e do que poderia ser. É uma conversa. Nem era para ser, mas foi. É.


Do mesmo modo sucede com o senhor que encontramos na beira de um leito de rio. Ele vai se aproximando aos poucos e quando notamos já estamos caminhando com ele. Tudo o que é da ordem do discurso não prescinde de ensaio. O milagre dessa captação é a fruição e testemunho de todo um pensamento que vai sendo construído, ou melhor, formulado pelo depoente e pelo estímulo que a câmera exerce nele também.


Cada sentença dita parece fruto da ventura do encontro. E se ele não tivesse sido, sequer ele mesmo seria. Mas quando entramos na sua casa, aconchegado na sua rede, notamos a tecitura de uma leve corda performática que se tece em um fluxo muito semelhante ao da revelação do encontro na beira da estrada anterior.


Essa é a passagem que a dupla de diretoras se utiliza para fabular brilhantemente o universo onde o protagonista do longa se insere. E se esse vento não pode ser visto ou entendido, que a investigação do espaço cinematográfico e as ferramentas dramáticas que o documentário de ficção contemporâneo permite lhes sejam sua veia de materialização.


Proposta essa que se permite nos enquadramentos que Victor de Melo faz das inúmeras paisagens Aracatienses (ora em movimento, ora mortas, estáticas). Ou na manipulação do modo como os objetos em cena estão dispostos, entre as gigantescas pás eólicas, os postes de alta tensão, ou os imensos montes e serras daquela região do Ceará.


É desse modo que o filme traz aquilo o que não pode ser visto para o nosso campo de visão. Ele não debanda para um mero exercício formalista ou pior, maneirista. Sua consciência de que ser somente isso seria muito pouco o protege desse vezo. Garante sua potência dentro de uma linha cinematográfica que pensa uma poética das imagens sem se alienar dentro do próprio discurso.


Ela é visceral e parte sempre de uma ideia de que a humanidade e tudo aquilo o que está presente nesse mundo tem algo a nos dizer. E isso é de uma beleza e sensibilidades indescritíveis. Filme maravilhoso.

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