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Ataque dos Cães: As dobras do mal e da natureza no filme

  • Foto do escritor: danielsa510
    danielsa510
  • 1 de dez. de 2021
  • 3 min de leitura

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Direção: Jane Campion. Roteiro: Jane Campion, Thomas Savage. Montagem: Peter Sciberras. Direção de Fotografia: Ari Wegner. Direção de Arte: Mark Robins. Produção: Jane Campion, Emile Sherman. Som: Dave Whitehead. Música: Jonny Greenwood.


Ter a compreensão de como a estória de uma narrativa pode expressar mais do que aquilo o que o regime de representação pode sugerir é um feito caro à experiência do cinema contemporâneo. Mas não somente dele. O bom cinema sempre emergiu disso. O que Jane Campion consegue fazer aqui é exatamente isso.


Ir além daquilo o que a resposta interpretativa pode evocar é certamente um dos grandes méritos do filme. Interessante porque a princípio, é como se nosso cérebro já fosse pré-estabelecendo um fluxo a partir do conjunto de situações que os capítulos do longa dizem respeito.


A ideia de um regime contrainterpretativo é muito forte, no sentido de um todo temático que parece difícil de ser apreendido. Entendemos as zonas e os tipos de figuras que o filme estabelece, mas a proposta de estranhamento e desidentificação é muito mais forte que essa estrutura na sua totalidade.


As dinâmicas nas relações entre esses personagens não nos é dada a princípio. Temos uma idéia inicial das tensões entre os irmãos Burbank, mas nada que guie nossa interpretação para um escopo cliché característico de grande parte das obras desse tempo. O cinema é de gênero, mas ele parte disso apenas para verdadeiramente citar tópicos outros.


Como por exemplo desse desenho de um suposto choque entre gerações, mas que na verdade pode ser um terreno para uma reflexão maior e primordial. A modernidade não é o que queremos imaginar que ela posso vir a ser nessa estória. As intrigas, a toxidade das relações interpessoais e a brutalidade de uma era de grandes inovações não estão libertas do julgo e influência devastadora da natureza desse mesmo homem novo em si.


Essa é a ruína que Campion nos convida a pensar sobre. Desse terror de um tempo imerso em imensas zonas cinzas e intermediárias. Onde os homens não são necessariamente tão obtusos quanto imaginemos que a sua encenação em si nos denote. A raiva, o amor, o pavor e o deboche não são apenas aquilo o que as imagens revelam cena a cena. Não é sobre "plot twists" ou coisas do tipo.


Esse cinema traz consigo a gênese de um fazer que está bem além desses rótulos assistenciais que a gramática pós-moderna situou, de certa forma. Ele parte de um imaginário pré-existente (o velho oeste, o vaqueiro, a era industrial) para reimaginar as operações no campo microcósmico do filme em si. E é aí que retornamos à dinâmica do estranhamento.


Porque essa faixa musical e sonora criada por Jonhy Greenwood, por exemplo, não é aleatória. O convite que ela nos faz é a esse entregar - se à experiência de desidentificação na raiz do filme enquanto produto. Enquanto espectador, o que me ocorre é o descolamento da minha impressão particular que tenho desses pólos (imagéticos e sonoros) incomplementares.


Ou seja, diferentemente do que a convencionalidade projeta, não é porque a música está me exprimindo tensão por meio de um arranjo de cordas em violoncelo que a cena por si recombine esses códigos. Nada referente a isso pode ocorrer. E assim, a cena se encerra frustrando nosso sentido viciado, adicto pela saída da interrelação mais simplista possível.


Mas o bom cinema do futuro não nos dá isso. Ele não colabora com esse estado de descompromisso com como mínimo de complexidade que seja na condução da tecitura dramática. Se aquele que olha para para a tela não entender, então a ele só restará olhar novamente até que em algum momento na sua vivência com esta forma de arte sua percepção floresça.


Muitas vezes isso é tudo o que a cinematografia do futuro nos pede. Mais nada. Esses são os filmes que nos inspiram a fazer filme, pensar sobre filmes e amá-los entre outras coisas. É sobre querer fazer parte disso, no seu entendimento pleno e não somente passivamente. Essa parece ser uma clara proposta de Campion enquanto autora e realizadora.

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