Bang Bang: e a particularidade que assegura o sopro da realização nacional
- danielsa510
- 22 de mar. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 6 de jul. de 2021

Direção: Andrea Tonacci. Roteiro:Andrea Tonacci. Montagem: Roman Stulbach. Direção de Fotografia: Thiago Veloso. Som Direto: Geraldo Veloso. Produção: Nelson Alfredo Aguilar. Direção de Arte: Milton Gontijo. Música: Mário Fongaro Muran
O cinema, na verdade, pode ser uma grande brincadeira. Essa é uma das várias ideias que temos ao vermos um filme como Bang Bang (1971). Realizado por Andrea Tonacci, o longa, a exemplo de “Matou a Família e foi ao Cinema” (1969), trabalha com um argumento desenvolvido sob uma narrativa anti naturalista e baseada na potência da atuação. O Brasil e seus complexos todos também estão ali. Basta olharmos.
E o olhar é um ponto-chave na reflexão sobre esse trabalho. No enredo, um homem neurastênico (Paulo César Peréio) se envolve em diversas situações como a discussão com um motorista de taxi, a perseguição por parte de um trio de bandidos bizarros e o relacionamento com uma bailarina espanhola. Tudo isso ocorre enquanto nosso personagem participa da realização de um filme.
Partindo do princípio do filme dentro dele próprio, Bang Bang é uma obra metalinguística. Mas não a tomemos num sentido literal. É interessante interpretá-la como um manifesto artístico despojada de qualquer aura que a arte usualmente evoca. Analisando-a como um todo, é natural termos uma possível primeira impressão que está no campo do estranhamento.
Imprescindível, no entanto, irmos além desse olhar simplista. Uma vez que o então terceiro trabalho de Tonacci pode nos parecer múltiplas coisas. Exceto simplismo. Seu desenvolvimento se dá a partir de um fiapo de roteiro. Mas é justamente essa unidade mínima de criação que são as conexões que o longa nos evoca. Em seu convite para imergirmos nele próprio. Para sairmos da realidade sem a deixarmos um só momento.
Esse traço de imersão surge, certamente, como a questão central de Bang Bang. Já que ela os mostra o ponto da forma. E quanto a isso, o longa se estrutura como um encadeado de elásticas sequências que também são longos planos onde as personagens desenvolvem suas ações. Elas constroem algo como que vários episódios de ação. No plano-sequência, portanto, o longa se estrutura enquanto técnica nos dando outro dado de imensa relevância em sua constituição.
Falamos da complexidade originária de uma forma muito simples com que Tonacci executa seu trabalho. Nada de inúmeros planos para dar-se conta da unidade fílmica. Com um único plano e uma câmera fixa o realizador monta sua atmosfera dramática e propõe já um cinema que se desenvolve no seu próprio tempo. Onde o corte entre as cenas, como bem defende seu contemporâneo Jean-Luc Godard, ocorre no momento em que ele tem de ocorrer.
Entretanto a câmera do longa pode também estar em pleno movimento. E numa corrida é que a imersão se desenvolve. E seja acompanhando Peréio atravessando uma rua ou no bagageiro de um carro que corta uma estrada aberta, as escolhas de Tonacci autenticam a realização. E ao mesmo tempo a dotam do mesmo sentido que , como bem citamos anteriormente, nunca esteve perdido.
A essa altura temos um panorama. Assim, o diálogo que mantemos é sobre a técnica e o apuro conceitual e ideológico do autor. Aqui ele se afirma como elemento legitimamente constitutivo de um movimento de resistência do cinema nacional. Não aquele que se esperneia numa luta homérica pelo espaço junto a todo outro tipo de movimento em atividade. Há uma consciência da particularidade no trabalho executado.
Importante pensarmos tanto Bang Bang quanto cada um dos filmes brasileiros dos anos 1960 e 1970 para além de um sistema de categorização. Porque assim como nos fala Jean Claude Bernadet, o rótulo de “marginal” que se emprega ao cinema dessas décadas apenas limita e distorce a compreensão desses filmes em toda sua genialidade. A eles não interessavam semelhanças e categorias. O limite era a própria morte do filme.
E o fílmico só sobreviveria – assim como tem sobrevivido – através de tudo o que é diverso e particular em cada sopro de realização. Porque em uma proposta de cinematografia emancipada o que importa de verdade não é a câmera invisível, e sim o modo como ela se dar a ver. Não são a partida e chegada de Bang Bang que interessam, mas sim o trajeto que esse longa e suas personagens realizam durante seus 70 minutos de projeção. Ao longo dos últimos 40 anos.
Assista ao filme completo, abaixo:
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