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Batman: a força de uma reassociação programada

  • Foto do escritor: danielsa510
    danielsa510
  • 9 de mar. de 2022
  • 4 min de leitura

Atualizado: 14 de mar. de 2022


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Warner Bros. Entertainment Inc. All rights reserved.

Direção: Matt Reeves. Roteiro: Peter Craig, Matt Reeves. Montagem: Tyler Nelson, William Hoy. Direção de Fotografia: Greig Fraser. Produção: Michael Uslan, Matt Reeves. Música: Michael Giacchino. Som: Chris Terhune. Design de Produção: James Chinlund


Redimensionar a experiência do cinema do subgênero de super-heróis pode ser uma das tarefas mais desafiadoras para a cinematografia (de blockbuster) contemporânea. Nem tanto pelo dever que os estúdios têm de segurar a dinâmica junto ao público ou de buscar de alguma forma reiniciar um fazer que desde o início dos anos 2000 tem atravessado um caminho, hora pautado por sopros de ressignificacões, ora de claras saturacões que acabam sendo elas mesmas inerentes a esse fazer. No meio disso é que percebemos o filme de Matt Reeves.


No meio disso é que podemos olhar para o filme de Matt Reeves. Se formos buscar entender a produção da DC como processo, é bem clara essa intenção de se mesclar uma abordagem mais sombria desse mundo naturalizado com uma percepção mais canônica dos próprios códigos os quais os personagens de um universo com os do Batman são formados.


E isso funciona porque essas são decisões não parecem ser tomadas de modo isolado a despeito daquilo o que o filme esta lidando, seja no seu campo temático ou na veia da forma. A ideia de economia pode ser um bom ponto de partida. Ainda que o longa tenha 2h57 minutos, não temos a sensação de vermos uma construção em loop.


Não que isso fosse um problema. Trabalhar a proposta da variação pode render instigantes construções para o cinema contemporâneo. Entendendo a repetição como um fluxo dessa variação que aponta não necessariamente para a repetição, mas a reassociações. Ou seja, recombinações de gestos, atos e situações.


No decorrer de todo o filme notamos essa estrutura, seja pela associação da abordagem do antagonista e do protagonista por esse viés voyer, pelo senso de urgência e movimentação dessas figuras que vão aos poucos mapeando essa cidade em lugares específicos (as vielas, os bares, o arranhacéu que abriga o holofote do herói) ou pela reiteração do nosso contato com os personagens nas suas mais distintas escalas de importação.


Falo disso porque é impressionante como essa pode ser uma dimensão preciosa para a construção da dramaturgia no filme. Se voltarmos um pouco para Shang-chi (2021) lembramos das suas figuras secundárias como tipos "esqueciveis", nada mais que isso.


Olhando para esse Batman, mesmo os capangas gêmeos que trabalham na boate do Falcone nos soam familiares com o tempo. Por que isso ocorre? Uma resposta pode ser a assimilação que passamos a intuir a medida que os dois vão se estabelecendo dentro do fluxo da narrativa. Eles estão ali para barrar Wayne, seja como vigilante ou como civil. Eles não conseguem, mas não alcançar esse objetivo é um modo de os estabelecer no campo da trama.


Apesar de parecer simplista, essa análise nos revela o quanto o filme de Reeves pode estar próximo de um dialogo junto ao trabalho de um realizador como Gus Van Sant, por exemplo. Mais do que o paralelo com Scorcesse, Polanski, Fincher ou Philips, vale a aproximação analítica dessa investigação de um grupo que vive sob uma cortina de mal estar.


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Warner Bros. Entertainment Inc. All rights reserved.

Desse senso de desorientação de valores e sentido diante da vida que emerge pela opressão que o contexto cotidiano imprime nessas figuras. Isso posto, a violência em si são constructos que modelam tanto Elefante quanto essa nova versão para a estória do milionário vigilante que converte um trauma numa arma de combate das injustiças sociais contemporâneas.


Do outro lado dessa mesma narrativa, ambas as obras tratam, em níveis distintos claro, da loucura e da falta de esperança em um mundo melhor como condutor para essa descarga violenta que se apodera de uma juventude totalmente desiludida com a vida. Na outra borda que ambos os filmes lidam, cabe aos protagonistas a consciência sobre o ciclo do amadurecimento pelos quais deverão passar.


Diante da iminência da morte, tanto Wayne e Gordon quanto Eric e Elias fazem essa trilha que vai ao encontro de uma tragédia que se completa feito um quebra - cabeças. Todos saem transformados dessa trilha. Mas retornando ao herói - título, é legal ver que essa dobra na personalidade ocorre por consequência e indução de tudo o que ele mesmo experenciou até o clímax.


Quando o fim enfim chega, ele entende que deve honrar o valor que sustentou ao longo de toda a trama. E quando ele entende que o fim se aproxima, decide cumprir o valor que carrega consigo e o faz ser, até aquele momento, quem ele de fato é. No momento em que volta para si, se percebe como um outro alguém.


O valor se altera, torna - se algo melhor. Maior, o herói entende que ele precisa ser algo mais. Não espetacular, extraordinário, mas sim crível, confiável e possível. Seu gesto final não é o uso condensa milhões em dólares de computação gráfica. É simples.


Resume - se a um plano escrito sob imagem, som e luz. Wayne não é o detetive John Scottie de Vertigo (recomendo demais a análise de Michel Gutwilen sobre a similitude entre os dois filmes), não é o investigador Jake Gittes de Chinatown (1974), muito menos o sociopata Travis, de Táxi Driver (1976) ou o detetive David Mills, de Se7en (1995).


Nosso herói está muito mais próximo de Kurt Cobain, de fato. Seja pela associação indireta com a obra de Sant (lembremos da sua versão livre para a vida e morte de Cobain) ou pela associação direta mesmo a partir do uso de Something in the Way e suas variantes dentro da música original de Michael Giacchino para o filme como um todo. Mas muito mais pela aceitação da sua tragédia interior e da compreensão que o fim tem para uma existência onde a sua grandiosidade só se equipara à apoteose do seu fim.

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