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Batman: O Cavaleiro das Trevas – A celebração de um herói octogenário

  • Foto do escritor: danielsa510
    danielsa510
  • 28 de dez. de 2019
  • 4 min de leitura

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Direção: Christopher Nolan. Roteiro: Christopher Nolan. Jonathan Nolan. Produção: Emma Thomas. Fotografia: Wally Pfister. Montagem: Lee Smith. Música: Hanz Zimmer. James Newton


O ano de 2019 marca a celebração dos 80 anos da criação de Batman. De lá para cá, o personagem foi retratado de diferentes formas, em diferentes plataformas midiáticas e a partir de distintos contextos históricos. Considerando a experiência cinematográfica de modo isolado, foi em 2008 que o herói teve certamente aquela que é a sua representação definitiva pelas mãos e mente do diretor Christopher Nolan. O Cavaleiro das Trevas marca, portanto, o estabelecimento de um novo paradigma não apenas para o universo do Homem-Morcego nos cinemas, mas também para as produções do subgênero de super-heróis nos anos 2000.

Pela narrativa, Batman (Christian Bale) se une ao Promotor Harvey Dent (Aaron Eckhart) e do tenente Jim Gordon (Gary Oldman) na árdua tarefa de acabar com a criminalidade de Gotham City. Entretanto, quando Coringa (Heath Ledger), um vilão que ascende no mundo do crime inunda a cidade numa onda de anarquia, tanto seus aliados quanto o próprio cavaleiro das trevas são levados a decidir se cruzam ou não a linha que definem seus ideais de justiça.

Mas por que falar deste filme à luz do octogésimo aniversário desta figura? Primeiro em função da já citada representatividade que o quinto longa metragem de Nolan tem na linha do tempo das obras que a antecederam e sucederam também. Porque é preciso entender qual o lugar que este filme ocupa quando consideramos o coeficiente histórico onde ele se insere. De 1995 a 2005, foi preciso uma década para que um projeto mais sólido em torno do personagem fosse proposto.

A “era Nolan”, portanto, foi esse ponto de inflexão que inseriu o personagem em uma nova ordem dos filmes do subgênero nos anos 2000. Mais que isso, diríamos. Ela foi a responsável pela proposição de uma abordagem mais sólida e pragmática do universo das HQs no cinema. Difícil desconsiderarmos experiências como X-Men (2000) e Homem-Aranha (2001). São obras fundamentais quando analisamos a reconfiguração dos super-heróis na história do cinema contemporâneo.

Mas foi com O Cavaleiro das Trevas que esse tipo de cinema passou a ser analisado sob novo vezo. Interessante pensarmos que isso, em maior medida, se deve muito mais a uma espécie de esforço no exercício de autoria. Essa impressão particular da assinatura da realização, à propósito, foi uma marca nos projetos deste personagem desde os anos 1980. Do gótico e sombrios traços de Tim Burton, passando pela representação de uma proposta queer na cinematografia de Joel Schumacher.

O Homem-Morcego de Nolan se inspira no espírito do detetive que opera junto mas também à margem da lei. A direção parte do conceito da Detective Comics de 1937 ao passo que se apropria de uma linguagem referencial do thriller e do cinema policial. Por isso falamos desse tom de sobriedade. Esse herói, aperfeiçoado após o exitoso lançamento de Batman Begins (2005), Não é uma figura extraordinária. Tudo o que ele usa em termos de armamento e gadgets surgem na obra a partir de uma construção naturalista.

Perceber isso interessa porque é muito curiosa a decisão de Nolan em retratar uma figura clássica como essa dentro de um universo possível. Nenhum personagem do filme é fantástico. Eles são clássicos. Conhecemos Espantalho (Cillian Murphy), Coringa (Ledger) e Duas Caras (Eckhart). Mas nenhum deles é um tipo surreal. São apenas homens transformados pelas tragédias que moldaram suas vidas. Um psicótico, um facínora e um sociopata.

Portanto, Nolan nos aproxima dessas figuras para nos dizer do quanto elas podem ser reais. Ele reseta a perspectiva caricata que marcou a experiência desse universo nos anos 1990, e imprime uma nova proposta pensada a partir da costura entre gêneros. Assim, o filme de super-heróis incorpora elementos da cinematografia clássica para comentar sobre a loucura, a moral e a justiça. É possível elevar o nível da representação desses caracteres para além do traço de ludicidade (contato primário tão comum quando da nossa infância).

Essa ideia da tríade também é curiosa de se notar nessa obra. É algo que supera o campo da coincidência para se revelar um exercício conceitual mesmo. É assim quando acompanhamos cada um dos capítulos onde o Coringa executa seus atentados, por exemplo. É o vilão maquinando seu plano, o Herói correndo para detê-lo e a justiça da cidade buscando neutralizá-lo ao mesmo tempo. E por meio de uma série de trincas dramatúrgicas o filme se constitui como um brilhante exercício de montagem alinhada a uma teia conceitual onde o gênero se pensa para além dos códigos já constituídos.

Tocarmos no conceito é importante porque essa é também a formulação de cada um desses personagens. Batman é a figura que age no limite da lei. Dent é o raio de esperança que Gotham não vê em anos e Coringa é o agente do caos declarado. A propósito disso, é na representação desse vilão tão brilhantemente esquadrinhado que o longa se lança como uma das obras mais sólidas criadas nos últimos 30 anos. O personagem encarnado por Ledger elevou a representação do vilão a um nível até então pouco percebido nas estórias que adaptam HQs de super- heróis. E nisso é que O Cavaleiro das Trevas atualiza os longas produzidos nesse século.

A construção desse caractere foge da lógica clichê do antagonista motivado por algo, na maior parte da gramática cinematográfica, ligado ao poder. Nolan e Ledger dotam um Coringa que rompe esse nível numa representação mais aprofundada de um caractere que representa e apresenta abordagens dramáticas alternativas do filme de gênero. Diferentemente do Coringa de Jack Nicholson, Ledger incorpora elementos como o psicologismo, a moralidade e a anarquia.

Curioso também é notarmos que os reflexos dessa gramática experimentada por Cavaleiro das Trevas ressoou em uma série de trabalhos que vieram a posteriori. Como vemos em longas como “007 – Operação Skyfall” (2013), onde a construção rítmica e de personagens lembram demais os tipos que Nolan e David. S. Goyer estruturaram o segundo filme desta trilogia do Homem-Morcego.

Em 2008, portanto, a DC lançava um filme autoral, pelas marcas que Nolan imprimiu à obra e inscreveu um importantíssimo capítulo na linha do tempo dos longas adaptados das mitologias dos super-heróis. Para um personagem criado há 80 anos, esse é um trabalho que sedimenta um olhar muito particular. Ele foi importantíssimo (como ainda continua sendo) para a mudança do julgo estereotipado a esses tipos de produções. Essas estórias fazem parte do nosso consciente coletivo e das nossas memórias afetivas. Elas estão ai para nos inspirar a partir da miríade de proposições que a cultura pop traz consigo.

 
 
 

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