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Bela Vingança: O ressentimento como ferramenta de validação da narrativa cinematográfica

  • Foto do escritor: danielsa510
    danielsa510
  • 24 de mai. de 2021
  • 3 min de leitura

Atualizado: 9 de jul. de 2021


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Direção: Emerald Fennell. Roteiro: Emerald Fennell. Montagem:Frédéric Thoraval. Direção de Fotografia:Benjamin Kracun. Produção:Tom Ackerley. Direção de Arte:Liz Kloczkowski. Música:Anthony Willis



A reflexão sobre o uso e premissas que validam o elemento catártico é uma das matérias mais caras para a experiência do cinema contemporâneo. E para além de todas as questões que saltam em um filme como esse, essa é uma delas. Como operar a ideia de engajamento espectatorial sem ceder ao ímpeto desse consolo ao subir dos créditos finais?


Encontrar essa resposta exige pelo menos muita coragem de se desafiar e apostar na percepção de quem está do outro lado da tela. Mas também pressupõe uma vontade e aposta na abordagem de alternativas para as estórias que contamos por meio da nossa arte. Emmerald Fennell entendeu tudo isso e por isso mesmo que seu longa consegue ultrapassar o limite do suspense dramático.


Importante falar dessas bordas porque apesar da obra ter e ser definida por esses instantes blocados a partir dos seu prólogo e outros quatro diferentes "capítulos", ela não se deixa resumir aos ganchos que seu tema pode lançar. A vingança é um fio definitivo para as motivações que colocam Cassandra (Carey Mulligan) frente às decisões por ela tomadas. Mas o ressentimento também é uma liga poderosa para a trama e sua protagonista.


Juntos, esses afetos modulam tudo aquilo o que essa mulher é ou acredita. O ato de se ressentir importa para a análise porque é quando retornamos para o ponto da escolha catártica. Essa "recompensa" final é colocada em suspensão pela forma como Fennell entende que uma vingança detonada pelo senso de justiça deve ressoar numa personagem como Cassandra.


Em termos comparativos, vamos pensar um momento sobre "O Homem Invisível" (2019). A intenção de se vingar algo a partir das injustiças contidas na trama são determinantes para a conclusão dos eventos do filme, certo?! E o que Leigh Whannell nos entrega ao final? A catarse. Ver aqueles corpos vilanescos alvejados e retalhados diante nossos olhos é mais que a resolução de um problema dramatúrgico, nós entendemos.


É a própria reparação do nosso engajamento na narrativa e que a ficção retoma para dar aos nossos olhos o reconforto de um epilogo feliz. Ainda assim, essa entrega ressoa retórica porque o efeito final é aquele que visa apenas o reconforto do autor nos dizendo ao fim que tudo ficou bem, apesar do estado de barbárie que modula grande parte das ações da narrativa.


Diferentemente de Whannell, Fennell opta por problematizar essa entrega. Não saímos diante do seu filme sem nosso retorno, mas ele nos é dado de modo alternativo ao longa protagonizado por Elizabeth Moss. Claro, tomo da comparação apenas para colocar em perspectiva as variações nas abordagens, suas idiossincrasias e particularidades.


Isto posto, o que define uma boa estória ou mesmo um exemplar roteiro cinematográfico contemporâneo? Há uma gama de pontos. Mas entre tantos destes, a intenção autoral de se ponderar problemas reais parece ser um dos mais fortes determinantes da escrita fílmica do futuro. E disso Fennell parece não abrir mão mesmo.


E se Cassandra assume essa genialidade de uma jovem promissora em um mundo imerso em tantas complexidades, é porque sua autora compreendeu que seu caminho não poderia ser marcado apenas por uma escala redentora. A partir desse ponto entendemos que essa mulher se torna algo maior. Ela deixa de ser uma figura iminentemente ficcional e se transforma em algo mais substancial.


Ela se converte no paradigma da realidade opressora que nos aponta as cerca de 50 mil mulheres que perdem as vidas anualmente no mundo. No Brasil, uma mulher é morta a cada seis ou nove horas diariamente. Os números nos colocam diante de um problema que não é ficcional. É real, grave e precisam ser pontuados na emergência de filmes como esse.


Não é fácil. Assim como não fora para a personagem. Do mesmo modo que todos imaginamos que não é fácil para todas as mulheres que já desde o seu nascimento até o fim dos seus dias têm de enfrentar o peso da prerrogativa que o "ser feminino na sociedade e sua cultura contemporânea " às coloca. Por essa é tantas outras razões é que esse é, sim, um filme tão potente e necessário.


O Canal "Uma Mulher com uma Câmera" publicou recentemente um vídeo ensaio muito bom a respeito do filme neste link: youtu.be/qe77pget-YI


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