Bom Comportamento: o cinema como ato estético-político
- danielsa510

- 24 de jun. de 2019
- 3 min de leitura
Atualizado: 28 de ago. de 2023

Direção: Josh Safdie, Benny Safdie. Roteiro: Ronald Bronstein, Josh Safdie. Montagem: Ronald Bronstein, Benny Safdie. Direção de Fotografia: Sean Price Williams. Design de Produção: Sam Lisenco. Música: Daniel Lopatin. Efeitos Visuais: Emily Switzer. Efeitos Visuais: Michael Glen, Adam Tenibaum.
Os irmãos Josh e Benny Safdie são uma dupla de realizadores que emergiram como frutos diretos de um cinema iminentemente contemporâneo. Esse é um dado que se cristaliza, sobretudo, quando discutimos um longa-metragem como Bom Comportamento (2017). Executado a partir de uma veia bastante autoral, o filme trafega entre gêneros para nos entregar uma densa narrativa em tudo aquilo o que ela concentra de potencialidades e fragilidades.
Na história, Connie Nikas (Robert Pattison) é um assaltante que, após um malsucedido assalto a banco, vê seu irmão mais novo, Nick (Benny Safdie) ser preso. A partir daí, Connie tentará a todo custo arranjar o dinheiro necessário para tirar Nick da cadeia. Em linhas gerais, os pontos que tornam esse longa um trabalho tão distinto, entretanto, ultrapassam essa apresentação inicial.
Bom Comportamento é um filme de autor acima de tudo. O fato de os Safdie realizarem o longa em Nova York diz muito sobre a natureza dele. Os realizadores nasceram e cresceram ali. E o trabalho ganha uma dimensão com base no seu “topos”, ou da atmosfera e ideia acerca do lugar como um índice máximo na sua significação. A cidade não chega a ser um personagem, mas ela reside no filme como um dado afetivo importante.
E se a cidade não opera como um personagem de fato, o mesmo não se aplica à música do longa. Já que o uso de sintetizadores cumprem um papel muito relevante, se posicionando para além de um elemento de apoio genérico. Ela pulsa dentro das sequências, conduzindo muitas vezes o ritmo e ambiência das mesmas. E assim somos guiados pela trilha sonora de Daniel Lopatin através dos instantes de maior freneticidade ou suspensão entre as cenas.
Falar do ritmo a partir do que a sinopse nos apresenta é importante pelas pequenas incongruências entre aquilo o que o filme é, e o que a divulgação apresenta. Claro que falamos de um Thriller com variações tonais dramáticas e de crime. Mas a sua estrutura não necessariamente remonta a alguma “odisseia” no mundo do crime, ou em tentativas desesperadas pela resolução dos conflitos.
Há, sim, uma forte carga dramático-emocional que permeia a estória, mas ela não se desenvolve em um ritmo contínuo de adrenalina, estando os personagens imersos em uma “onda de violência e caos enquanto correm contra o relógio para salvar suas vidas”. O filme até concentra momentos de desaceleração quase total do ritmo da sua ação.
Refletir esses pontos são importantes para não cairmos no reducionismo de pensarmos Bom Comportamento a partir do que outros filmes do gênero estabeleceram ao longo dos últimos 20 anos. Já que o filme não é o “Trainspotting” dos irmãos Safdie. Não! É um trabalho particular de autor que não pode ser analisado sob o vezo de um mero simplismo comparativo. Existem decisões bastante conscientes por parte da direção que acrescentam camadas de distinção para a significação do filme, seja por meio da forma ou do seu sentido.
Falando da forma, é interessantíssimo percebermos o recurso de inserção dos seus créditos iniciais somente a partir dos 17 minutos do filme. Pouco usual, o recurso é um modo de a obra se colocar a partir daquilo o que a constitui enquanto exercício fílmico. É o trabalho que se auto subverte e que realoca-se por meio de sutilezas.
São os Safdie dividindo questionamentos conosco. Há ordem cronológica na exposição dos créditos da obra? São subtextos do filme como uma plataforma múltipla ao desenvolvimento de tópicos que o dotam de uma forte carga discursiva. É a aposta no cinema como um ato estético e político.
Há muito de Pusher (1996), Corra, Lola, Corra (1998) e Drive (2011) em Bom Comportamento. Ele passeia entre gêneros. Usa recursos e tomadas do cinema mainstream adicionando temáticas e personagens densos em um arriscado jogo da trama que se subjetiva e ganha camadas pela imensidão contida nas motivações daquelas mesmas figuras. Os seis minutos de palmas que o filme ganhou após sua exibição no festival de Cannes de 2017 há de ter significado algo, e de fato, o foi.



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