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Cavalo Dinheiro: a experiência da cinematografia como processo

  • Foto do escritor: danielsa510
    danielsa510
  • 21 de jul. de 2022
  • 3 min de leitura

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Direção: Pedro Costa. Roteiro: Pedro Costa. Montagem: João Dias . Fotografia: Leonardo Simões. Som: Hugo Leitão.


É a ideia da experiência que modula o cinema de Pedro Costa. Mas não no sentido da experiência da espetacularização das imagens. Claro que, numa medida bem específica, as imagens que o realizador propõe têm essa aura surrealista, como se estivéssemos de fato dentro de um sonho (ou pesadelo) noturno.


Mas nunca sentimos como se o diretor quisesse nos arrebatar única e exclusivamente pela plasticidade que o coeficiente imagético do seu filme incorpora. Há toda uma gama referencial aqui que nos leva à reflexão sobre processos, principalmente.


Pensar na construção de suas obras é ter de considerar um fluxo processual que segue etapas. Diante da totalidade que é Cavalo Dinheiro, é interessante refletirmos sobre seus primeiros trabalhos, por exemplo. Como quando lembramos de Casa de Lava (1994) e consideramos toda uma crueza e artesania do seu processo de realização.


Dessas primeiras incursões que, apesar de iniciais, já denotavam uma maturidade que ensaiavam esse embricamento entre a narrativa ficcional e do documentário. Da proposta desse trabalho da segunda metade dos anos 1990, Costa assegura neste filme de 2014 elementos múltiplos.


Da narrativa de ficção, ele prioriza o valor da memória como uma matéria base para a construção de sentido da única forma narratológica possível para dar corpo a essa trama. Não é que devamos desvendar significações ocultas na estória. Não há nada a se explicar, revelar.


Diante do filme, só temos de olhar. É o que basta. Imergir na proposta é a única coisa que Costa nos pede diante da sua criação. Para isso, no entanto, temos de considerar talvez um segundo ponto no trato com a sua cinematografia, que é a questão da presença dessas personagens.


Mas não entendendo essa força a partir de códigos esvaziados, como os que se ligam, muitas vezes, à discussão sobre a performance do ator. O que é um ator para um cinema como esse? É estar diante daquela condição de ser quem se é e ao mesmo tempo poder se reimaginar diante das lentes e microfones de captação de som.


Não importa sabermos se aquilo o que Ventura diz faz ou não algum sentido lógico para nós. Conhecendo ou não sua história ( que se engendra com a própria história das comunidades excluídas e invisibilizadas de uma Portugal que não aparece nos noticiários), nosso gesto diante do longa é aquele senão o de nele imergir.


No fluxo das suas sequências, o filme nos pede nada mais que atenção para irmos até onde entendermos que possamos ir. Limite esse que não se fecha com a chegada dos créditos finais. No entanto, mais do que presença, esses corpos no universo proposto por Costa também buscam se orientam muito por um sentimento e impulso de desdramatização.


Porque certamente nenhuma forma de expressão denote melhor a desilusão e a austeridade dessa (realidade?) operacionalizada no filme. A dureza e a profundidade dos discursos dessas figuras nos comovem sem necessariamente nos puxar para dentro de uma espiral maniqueísta do espetáculo.


O ritmo quase maquínico com que cada um deles, de Ventura a seus sobrinhos, passando por Vitalina aos oficiais do exercício português, todos conjugam essa concepção rígida, impalatável e por isso mesmo tão preciosa e fenomenológica, ligada às coisas do espírito, do pensamento, das vicentinas e memórias desses homens e mulheres comuns.


Tipos, por isso mesmo, tão excepcionais para a dinâmica da cinematografia contemporânea, cuja parte tanto cabe a escrita de Pedro Costa.


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