top of page

Cosmopolis: a luta contra uma ameaça descorporificada

  • Foto do escritor: danielsa510
    danielsa510
  • 13 de jun. de 2022
  • 3 min de leitura

ree

Direção: David Cronenberg. Roteiro: David Cronenberg, Don DeLillo. Montagem: Ronald Sanders. Direção de Fotografia: Peter Suschitzky. Direção de Arte: Joshu de Cartier, Shaun Martens. Produção: David Cronenberg, Paulo Branco. Música: Howard Shore.


Há um espectro que assombra o mundo e está presente ao longo de toda a narrativa do filme. Esse inimigo, desde o início, não se assume necessariamente na figura de Eric Packer, mas sim a partir desse corpus intangível que é o sistema capitalista.


Apesar da crítica incisiva que o filme assume, muito a partir das referências e elementos da obra de DeLillo, essa abordagem jamais soa ultra-alegórica ou meramente expositiva. Cronenberg modula muito bem a experiência da adaptação. Principalmente no modo como define a estratégia de condução das cenas e no modo como os eventos seguem seu curso.


No nível do plano, não notamos desejo algum por parte da fotografia de Peter Suschitzky em se cosmestizar a concepção visual do filme. No máximo, percebemos uma preocupação maior em se manter os objetos no quadro em foco. Essa cristalização imagética é interessante porque dialoga diretamente com a centralidade que a ordem do discurso assume na obra.


A fala importa bastante e ela é um dos fios que conduzem a dinâmica da interação entre os personagens. Novamente, não é como se os diálogos existissem para expor arbitrariamente as idéias apresentadas por essas figuras. Mas sim, para costurar as peças que dão matéria para o todo dialético que o filme é: suas figuras de representação, seus personagens.


Esse "falar", isso é importante que se diga, nada tem a ver, aqui, com o espelhamento de uma construção "realista" do mundo. Cronenberg não deseja alcançar uma espécie de palco dialético naturalista. A troca de informações entre os personagens são mais um elo entre as visões particulares que eles têm do que seria esse mundo e o estabelecimento dessa conjuntura em si.


Mais que isso, cada novo encontro de Peter com as pessoas no seu entorno somam para nossa leitura total desse quebra - cabeças no qual eu está inserido. Por isso seu contato com o chefe de segurança, o gênio da inovação, a noiva, a amante, a guarda costa, o cabeleireiro, o antigo colega de profissão, entre tantas outras pessoas que cruzam seu caminho, são tão importantes.


Eles propiciam essa base para o nosso entendimento sobre quem pode ser esse protagonista e que universo é esse que o rodeia. O mais interessante é que esse crítica ao sistema ocorre muito a partir da própria transformação por que Peter passa. Para se tornar algo a mais ele tem de literalmente atravessar a ideia da sua própria de dessubjetivação.


E o desenho desse arco passa por essa inversão dos valores que o "herói" da estória leva consigo. O que é interessante porque essa é uma construção que desafia e provoca a própria lógica do pensamento sobre o capitalismo como um todo. Retornando à reflexão crítica de Bazin, entendemos que o sistema em si não permite a modulação desses heróis.


Por isso que, desde o primeiro ato do longa, fica bem claro que toda a vida de Suschitzky é uma contradição. E ao passo que ele mesmo começa a se dar conta disso, acaba a cada ação arquitetando a estrutura da sua própria queda. Não há caminho de volta para uma figura como essa. Assim como sabemos que, no fundo, não há sustentabilidade possível para a lógica que rege o capital.


O capitalismo enquanto sistema resistirá, assim como tem resistido há séculos, mas enquanto modo de produção, não suportará a pressão absurda que a sua própria natureza molda desde a Revolução Industrial. Essa é uma das poucas certezas que temos e que tanto DeLillo e Cronenberg entender muito bem.

Comentários


bottom of page