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Custódia: A complexa teia da violência doméstica diária

  • Foto do escritor: danielsa510
    danielsa510
  • 5 de jun. de 2019
  • 4 min de leitura

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Direção: Javier Legrand. Roteiro: Javier Legrand. Montagem: Yorgos Lamprimos. Fotografia: Nathalie Durand. Produção: Alexandre Gavras. Design de Produção: Jérémie Sfez. Direção de Arte: jean-Pierre Chanome. Música:Thibault Deboaisne. Efeitos Visuais: Arnaud Chelet.



Custódia (2018), escrito e dirigido pelo realizador francês Xavier Legrand, é um filme muito singular. Ele parte do universo do drama familiar e se desenvolve como uma história balanceada pela densidade dos eventos apresentadas na sua trama. E ai é interessante notarmos o quanto a obra usa da universalidade deste tema para discutir questões políticas, mas sem que esses tópicos se sobreponham a essa espécie de camada maior que é o filme em si. Na união elementar dessas forças é que ele se fortalece como um dos trabalhos mais sólidos do atual cinema francês.

Na trama, um casamento desfeito leva a uma amarga batalha entre Mirian (Léa Drucker) e Antoine (Denis Ménochet) pela custódia dos seus filhos, Julien (Thomas Gioria) e Joséphine (Mathilde Auneveux). Apesar da premissa dessa sinopse, o longa não se desenvolve como um trhiller de contorno burocrático e caucado eminentemente na perspectiva política, em maior medida. Há uma vertente que o guia em uma prerrogativa claramente naturalista, mas é na sua aliança entre forma e conceito que o filme ganha sobriedade e um potente senso de unidade em torno da sua narrativa.

Sua sequência de abertura traz parte dessa apresentação do conflito principal entre o casal, mas sua operacionalidade ocorre muito mais como um prólogo mesmo. Onde Mirian e Antoine são apresentados e ouvidos, cada qual com um tempo estimado e sob a presença de seus advogados de defesa e uma Juíza que deliberará sobre o litígio em questão. Feito esse preâmbulo, é curioso notarmos como o diretor opta por abrir mão dessa pegada jurídica do tema para, aí sim, desaguar no cotidiano dessa família repartida.

Considerando a densidade que a apresentação e desenvolvimento desse dia a dia poderia acarretar em termos de abordagem, a direção opta acertadamente por trabalhar cada ação fílmica a partir de pequenos blocos. Da primeira à última sequência que o filme dá a ver, todos os eventos ali retratados parecem ocorrer em um intervalo de uma semana, no máximo. A montagem de Yorgos Lamprinos ajuda nessa construção de uma atmosfera minuciosamente encadeada a partir do trânsito entre as personagens. No caso, mais fortemente pela interação entre o pequeno Julien e os pais, Mirian e Antoine.

E como é poderosa a dinâmica entre essas figuras. Juntas, elas formam uma complexa trinca onde o conflito e as tensões familiares se costuram na mesma proporção do avançar dos dias. O modo como Legrand dosa esses momentos é outra positiva chave do filme. Há em todo o primeiro e segundo ato um tempo maior orientado para as trocas entre pai e filho. Este, construído sob um retrato de uma infância que se desenvolve pela via da angústia e do medo. E aquele, acompanhado pela linha da ignorância, do rancor e do orgulho que despedaçam tudo o que pode haver de redentor na figura humana.

Em 93 minutos de metragem, essa tensão é temperada dentro de uma espécie de panela de pressão dramático-narrativa que, a cada terço de ato, nos dá indício de estar prestes a explodir. Mesmo assim, há de se louvar a sensibilidade com que a direção decide não fetichizar a estória em desenvolvimento. Há um visível cuidado e carinho em uma tentativa de não vilanizar as figuras paterna e materna em favor da própria obra. É claro que, tanto esse pai quanto essa mãe têm suas responsabilidades relegadas e decisões dúbias às quais não assumem, mas tudo isso é sutilmente sugerido na construção do roteiro do filme.

O que nos leva para o indispensável ponto do quanto Custódia é uma obra cinematográfica. Apesar da redundância que a referência incita, esse é um ponto definitivo, sobretudo na experiência do cinema moderno e contemporâneo. E aí, o uso da linguagem como linha mestra do fazer cinematográfico é o que, entre outros pontos, definem a obra e sua relevância artística. Desse tom purista em suas decisões estético-formais, mas que busca como fim a discussão sobre problemáticas de natureza universais, como o são a violência doméstica e os conflitos familiares, seja na França ou em Fortaleza.

Afinal, quantos “Antoines” nós conhecemos e estamos na iminência de sempre conhecermos? Assim como de quantas “Mirians” temos conhecimento e que não escapam com vida da fúria que suas más escolhas acarretam? Dessa complexa balança inundada em zonas cinzas onde “vilões” e “mocinhos” não são definidos unilateralmente é que o filme nos incita todas essas reflexões de forma bastante sincera. Ele abre mão de uma abordagem estereotipada e nos apresenta tipos críveis e falhos, mas por isso mesmo também tão cativantes.


Importante referenciarmos aqui a experiência da realização progressiva. Porque antes de Custódia, Legrand trabalhou em “Avant que de tout perdre” (2013) alguns eixos temáticos e o próprio enredo que serviram de base para este longa. E foi desse curta que o diretor expandiu o universo explorado no longa.


O que nos atesta um positivo posicionamento do autor que firma o principal compromisso com o trabalho artístico em desenvolvimento. Onde a proposta da realização se torna algo quase que inalienável e com a qual o cineasta não abre mão em função da importância e prioridades que o fazer cinema tem em nosso mundo. O Leão de Ouro por ele vencido durante o 74º Festival de Veneza na categoria de melhor Diretor é parte desse reconhecimento.


 
 
 

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