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Doutor Estranho no Multiverso da Loucura: da indústria e suas desconsiderações

  • Foto do escritor: danielsa510
    danielsa510
  • 23 de mai. de 2022
  • 4 min de leitura

Atualizado: 28 de mai. de 2022


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Direção: Sam Raimi. Roteiro: Michael Waldron. Montagem: Bob Murawski, Tia Nolan. Direção de Fotografia: John Mathieson. Direção de Arte: Julian Ashby. Produção: Kevin Feige, Scott Derrickson. Música:Danny Elfman. Som: Juan Peralta.


Realmente não há como falarmos de autoria dentro dessa experiência que a Marvel Studios propõe desde a segunda metade dos anos 2000 sem colocarmos os filmes em perspectiva. Sam Raimi de fato tem o bônus de ser um realizador que traz na sua veia o DNA desse cinema de gênero, mas isso não justifica os movimentos que ele tenta fazer nesse seu retorno ao universo dos filmes de super-heróis.


Voltando um pouco no tempo, conseguimos ver, nessa atual fase do estúdio, uma desconciliação muito latente entre aquilo o que é proposta de um aparente realismo e de uma idealização fantástica. Desde a inserção dos Russos nos projetos da empresa de Feige, por exemplo, conseguimos notar uma certa organização bem interessante na conjunção dessas duas formas de lidar com os códigos desse subgênero cinematográfico.


Nada que devamos elencar como sendo algo revolucionário no fazer da arte, mas que vale a observação a partir do que conseguimos olhar diante desses projetos que o Universo Cinematográfico Marvel comunga. Afinal, o que querem esses produtores? Bilheteria, a reorganização de um público perdido ou a ser conquistado?


Não conseguimos obviamente determinar nada disso porque tudo isso obviamente está na ordem da subjetividade. Mas quando refletimos sobre a ideia de alinhamento conceitual, parece-nos bem visível a escolha por um cinema de atrações mesmo. Não aquela prescutada pelos estruturalistas russos do início do século XX, claro, mas uma ligada a outros conceitos cujo detonante reside na própria falta de substancia desses projetos em si.


Quando pensamos em Capitão América: Soldado Invernal (2013), isso foi justamente um ponto que Joe e Anthony Russo abriram mão. Assim como eles estavam diante de um trabalho de redefinição das potências de um personagem (assim como Strange está para Raimi, aqui), a dupla de diretores decidiram imprimir toda a força referêncial de que dispuseram e conseguiram mobilizar em torno daquilo o que poderia ser lido através do cinema de espionagem e ação.


Nesse novo Doutor Estranho, quais variações conseguimos perceber? Terror e fantasia. O índice realista, aquele que geralmente tende a garantir alguma envergadura a essas obras, soa apenas como um acessório, um falsete que leva o filme direto ao ponto de obras sem força como O Sétimo Filho, de Serguei Bodrov (2014), por exemplo. É a mesma aura frágil e superficial que conecta esses dois filmes em tudo o que eles podem ter de pior.


São obras que ensaiam um universo de grandes complexidades para seus personagens, mas não assumem a responsabilidade de criar e gerenciar a dinâmica dos eventos em que essas figuras estão inseridas. Assim como no blockbuster de 2014, a bruxa é essa entidade malvada por natureza e que seus propósitos apenas evocam conflitos descartáveis em função de uma narrativa densa (pela falta de fluidez) e irredutível (pelo seu conservadorismo conceitual).


Afinal, do mesmo modo como no longa de Bodrov, "Multiverso da Loucura" coloca essa idealização da família como sendo uma maldição a ser perseguida direta ou indiretamente. A mulher, louca por não conseguir seus anseios e amaldiçoada por não ser ver na completude para além daquilo o que a concepção do laço familiar vem a evocar, não encontra outro prisma senão o da destruidora de mundos e realidades.


Parece um devaneio, mas na segunda e terceira décadas do segundo milênio, é essa a retratação que o cinema mainstream faz da mulher contemporânea. É absurdo se pararmos, não para interpretar literalmente, mas refletirmos com calma sobre o que esses filmes nos dizem. E ainda que a intenção conscientemente não seja essa, à sombra do atabalhoamento desses projetos, sofre o cinema com a erosão interna dos seus próprios fluxos.


Avançando um pouco mais na esteira do que a Marvel Studios pensou em meados de 2016, chegamos à Capitão América: Guerra Civil numa prova consistente de como a produtora já conseguiu na sua história conciliar a megalomania dos seus showrunners, com propósitos minimamente coerentes do que um conflito pode significar no universo desses tipos ficcionais.


Diferentemente do embate entre Steve Rogers e Tony Stark, Strange e Wanda opera apenas no limite da farsa mesmo. E tudo bem assim o fosse considerando alguma coerência entre os anseios e posições sustentadas por esses personagens. Isso não ocorre nesse novo produto da Marvel no cinema. Não há tempo para a dialética porque não há escrita definida para isso.


O resultado: são um pseudo agenciamento de divergências que desemboca em instantes de ação desmedida e caricatural. O ponto de convergência - se assim pudermos dizer - entre os filmes de 2016 e 2022, é o modo como cada um lida com as consequências dos atos e decisões que a narrativa coloca.


Enquanto os heróis daquele filme soavam mais lapidados para aquilo o que poderia ser lido como um confronto de visões de mundo em um contexto de polarização diegetica, o longa de Raimi só se certifica de oferecer os fan services que o público domesticado do estúdio e desse cinema industrial parece impelido por.


Nada mais tendo ele a dizer, todos os problemas se resolvem, o mal vence o bem e o mal sem si acaba se revelando, um pouco antes do fim do "climax", não tão mal assim. É escapista, é preguiçoso, conservador e incapaz de operar por meio de um consenso minino que alie alguma criatividade na proposição de um novo ambiente para esses longas que parecem sufocar nas próprias referências.


Sentados nas poltronas diante das telas, nada podemos ou nos animamos para fazer. Quando a sessão termina, sentimos ter perdido algo da nossa própria constituição em si. Algo como as duas horas e dez minutos que ficaram ali na sala de projeção.

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