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Elon não Acredita na Morte: O paradigma do homem clivado

  • Foto do escritor: danielsa510
    danielsa510
  • 23 de set. de 2019
  • 3 min de leitura

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Imagem: Ícone do Cinema

Direção: Ricardo Alves Jr.. Roteiro: Ricardo Alves Jr., Diego Hoefel, Germano Melo, João Salaviza Produção: Thiago Macêdo Correia. Fotografia: Matheus Rocha. Montagem: Fred Benevides, Michael Wahrmann. Som: Jorge Saldanha. Música: Mondog, Daniel Saavedra. Direção de Arte: João Marcos de Almeida, Diogo Hayashi.


Elon não Acredita na Morte (2016)* é um filme que opera com vistas ao fortalecimento de um positivo cenário da cinematografia contemporânea brasileira. E nesse sentido ele refirma uma série de índices que constituem e dão forma sustentável à nossa produção nacional. A ideia de autoria e de um cinema que se pensa para além dos marcos regionais e temáticos são suas maiores marcas considerando-o parte de um riquíssimo escopo que emerge e tem se fortalecido cada vez mais na última década.

Neste que é o primeiro longa dirigido por Ricardo Alves Jr, acompanhamos Elon (Rômulo Braga) na busca pelo paradeiro da sua desaparecida esposa, Madalena (Clara Choveoaux). Em uma viagem sem pausas pelos locais mais escuros da cidade, ele tenta descobrir o que pode ter ocorrido a ela ao mesmo tempo em que deságua numa complexa teia onde a ilusão e a realidade confundem-se como uma só coisa.

Esse embricamento entre o que é delírio e o que é real é um importante norteador das dinâmicas do filme, seja nas suas esferas técnica ou de conteúdo. No campo da forma, é interessante notar como Ricardo tece uma linha estética que se define desde o início da narrativa. Nós estamos com Elon, e por mais que suas posições ou escolhas sejam, em alguns momentos contraditórias, não saímos do seu lado e mais especificamente das suas costas. Seu protagonismo se endossa pela proximidade que mantemos com ele.

Nessa descida ao “inferno” de um lugar que o protagonista é impelido a entrar, o seguimos quase que na condição de um metamórfico coadjuvante. Quando o filme se inicia, estamos espectadores. Mas à medida que o seguimos ao longo dos corredores escuros e pelos diversos prédios da cidade de Minas Gerais, deixamos a condição daquele que apenas observa e passamos a ver. Nos vemos na busca do protagonista. Mas seria ele mesmo o mocinho da estória? Bem, o longa é bem mais complexo do que esses conceitos.

Para não sairmos ainda do coeficiente formal, vale entendermos o quanto as cores ajudam a nos dizer e reafirmar isso por meio de um jogo de códigos sutis, mas não imperceptíveis. Por isso é preciso olhar. E esse é um exercício que o cinema contemporâneo brasileiro nos instiga em um espectro de determinadas obras. E este filme é uma delas. Percebermos os tons pastéis e quase desbotados dos ambientes filmados ou da realidade que o filme apresenta é decodificar a apatia que dita os contornos da vida dessas personagens.


E ai o plural é valido porque não apenas Elon parece repartido, clivado. Mas também cada uma das figuras que interagem no seu universo. A esposa que (re)aparece como uma assombração destituída do horror como um clichê, os parentes pouco empáticos a sua busca, ou mesmo os agentes do Estado pouco dados a qualquer noção de alteridade. Todos parecem operar como barreiras contrárias às ações do protagonista. Mas entrando um pouco no campo do sentido é que entendemos como as zonas cinzas são uns dos códigos mais importantes do longa.

Uma vez que Ricardo, em parceria com o professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e roteirista Diego Hoefel, construíram tipos que operam por meio de variações tonais muito sutis. Ou seja, não é porque Elon se apresente, em tese, como protagonista que ele tenha de ser uma espécie de “paladino da moral”. Não. Há uma imensa contradição na figura dessa personagem. E isso é o que o torna imensamente crível. Eu acredito nele pelo fato de ele abraçar a loucura na estória e nos fazer ao final de sua jornada questionarmos quanto à veracidade do coeficiente final da narrativa a que acompanhamos.

Entre o que é real para o universo do filme e o que é a realidade na nossa percepção espectatorial, há uma espécie de “não dito” que reforça o caráter transversal da obra. Isso porque ela nos dá essa rica condição de duvidarmos sobre aquilo o que vemos e nos permite a rica troca de nos vermos como construções dos seus sentidos finais.

Quando chegamos naquilo o que seria uma espécie de clímax do longa, a dúvida é a única certeza que temos diante daquilo o que tanto Elon quanto nós mesmos, do outro lado da tela, vemos. Esse é um dos incomensuráveis prazeres que o cinema contemporâneo nos oferta. Essa é uma das suas janelas abertas para a compreensão artística neste século e Elon não Acredita na Morte faz isso magistralmente.


* O filme encontra-se atualmente disponível no catálogo da Netflix.

 
 
 

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