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Kasa Branca: da insuficiência na abordagem da pós-colonialidade cinematográfica

  • Foto do escritor: danielsa510
    danielsa510
  • 30 de jan.
  • 4 min de leitura
Crédito: Vitrine Filmes
Crédito: Vitrine Filmes

Direção: Luciano Vidigal. Roteiro: Luciano Vidigal. Direção de Fotografia: Arthur Sherman. Som: Vampiro, Fernando Aranha. Direção de Arte: Alexandre Magalhães, Rafael Cabeça. Música: Fernando Aranha, Guga Bruno. Produção: Bárbara Defanti, Gisela Camara, Roberto Berliner, Sabrina Garcia, Leo Ribeiro, Cavi Borges. Montagem: André Sampaio.


Existe uma força contida no filme e que se expressa mais por um desejo de se colocar determinadas situações em cena do que por algo que vemos aplicado na prática.


Entendemos a intenção de Luciano na sua proposta de levar em consideração e aplicar uma cinematografia pós-colonial e periférica na apresentação da realidade das pessoas ali retratadas, mas existe um descompensamento muito grande em relação às ideias enquanto conceito e as sua aplicabilidade práticas ao longo de todo o filme.


Falta uma sutileza no agenciamento dos eventos. Algo que, em muitos casos, se equipara ao campo do despropósito mesmo. Como quando vemos os rapazes subindo com dona Almerinda por duas vezes, ou mais, para um lugar que, aparentemente, nem mesmo eles sabem o porquê estariam indo.


E isso marca muito negativamente essa lacuna proposital da qual o filme carece. Não é nem que os eventos sejam destituídos de sentido, eles só não se organizam na forma de um todo. A própria fragmentação dessas subtramas que nada parece agregar à obra, como no caso de Martins com a esposa do farmacêutico, ressoam essa fragilidade estrutural.


Como se essas instâncias situacionais estivessem postas e fossem até relevantes, tal qual a questão envolvendo Big Jaum e seu pai, mas, novamente: o que incomoda mais na abordagem do filme é essa falta de problematização em torno dos acontecimentos agenciados ali. Afinal, vários momentos são passíveis dessa inflexão, mas não nos soam alinhados a partir de um eixo temático estabelecido previamente.


Penso que realizadores como o Lincoln Péricles, juntamente com Alan Ribeiro, Everlane Moraes, André Novais Oliveira, Gabriel Martins e mesmo, com algumas reservas pessoais, Deo Cardoso, condensam um olhar que fura o tubo de uma representação que, como bem observa Denilson Lopes, se credita para além de um veso celebratório da ficcionalização da periferia nacional e dos nossos personagens sem idealizá-los romanticamente.


Até entendo a frontalidade com que Vidigal busca lidar no trato com seus personagens, por acreditar verdadeiramente neles, e buscar colocá-los junto da moldura desse espaço cênico que é a periferia carioca, mas os resquícios de uma cinematografia meio alienante (dos costumes do pitoresco) e esteriotipada no que diz respeito à caracterização desses tipos (o traficante, o policial malvado, o marido embrutecido), ressoa como uma herança maldita em negativo de um cinema que em tudo se deixa contaminar por uma representação/apresentação telenovelesca genérica.


Quando o cinema não consegue se pensar para além dessa aba, o lugar que a prática artística se coloca implode de dentro para fora e assina, com as próprias mãos, um atestado de insuficiência da expressão cinematográfica e, consequentemente, fílmica na sua dinâmica com o mundo.


E nesse sentido, não há jargão, lugar comum ou boa vontade que resista a esses esquemas (do "filme necessário à obra de grande sensibilidade, filme afetivo..."). Como fala o próprio Adirley Queirós, o lugar do políticamente correto é a pior redoma onde o cinema pode vir a operar. É quando ele se aprisiona dentro de si por não se problematizar para além desses tópicos esquemáticos pontuados acima.


Fato é que, na análise da conjuntura da produção contemporânea brasileira parece haver um cenário que a muito se assemelha a uma espécie de grande bacia hidrográfica ou algum tipo de mar aberto.


Nas extremidades, um cinema dos grandes produtores (da Gullane Entretenimento, passando por O2 a Globo Filmes, sem falar nos players internacionais das produções transnacionalizadas) e numa outra ponta, uma fatia produtiva que a seu tempo busca a impressão de um ritmo industrial movido pelas políticas de editais de incentivo.


Em um estado que se degladia por recursos na área cultural como o Ceará, por exemplo, a luta coloca numa mesma arena realizadores de pequena, média e grande inserção no mercado/circuito.


Em comum, os filmes guardam, com algumas exceções, vícios e cacoetes que parecem se repetir em função da necessidade e decisão dos próprios autores de se estabelecer junto a um público que, em tese, especularia-se pedir ou demandar narrativas menos complexas, bem como de uma parcela da crítica que opera, ao que muito se parece, principalmente por conveniências.


E isso vai do trabalho dos críticos, até alguma falta de olhar mais analítico que seja ou algum critério mínimo no corpo a corpo com as obras ou o cinema enquanto forma de expressão envolta em inúmeras particularidades e complexidades.


Mas no meio dessas duas bordas, reside uma parcela que opera dentro do que entenderíamos como uma faixa de terra entre esses dois lugares.


Marcada por filmes que entendem e lidam muito melhor tanto com o processamento dessa manifestação crítica da nossa cultura quanto com as dimensões mais específicas do campo do estilo e da gramática evolutiva da prática cinematográfica.


Realizadores experientes como o pernambucano Gabriel Mascaro e iniciantes como o cearense Leônidas Oliveira (Tiramisù, 2024) ou a alagoana Laís Araújo (Infantaria, 2023) apontam essa trilha de perspectiva de um cinema que não se compensa ser apenas narrativo nos moldes daquilo o que o mínimo venha a ser.


Resguardam a prática de um desejo de realização que intenta ser sempre um pouco mais. Essa é a tradição e herança da nossa prática audiovisual e disso não podemos esquecer. É só isso que o cinema e as artes do vídeo pede de nós.

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