Licorice Pizza: os fluxos inconscientes da consciência do filme
- danielsa510

- 21 de fev. de 2022
- 3 min de leitura

Direção: Paul Thomas Anderson. Roteiro: Paul Thomas Anderson. Montagem: Andy Jurgensen. Direção de Fotografia: Paul Thomas Anderson, Michael Bauman. Produção: Daniel Lupi. Direção de Arte: Samantha Englender. Música: Jonny Greenwood. Som: David Acord.
Quando paramos para pensar como um filme pode operar no mundo, o sentimento de que ele deva vir a ser "perfeito" geralmente é um sentimento que buscamos no fundo do nosso inconsciente. E quanto mais consistentes desse sentido, mais forte tende a ser nossa conexão com a experiência desse tipo de obra.
Paul Thomas Anderson fez o filme ideal? Talvez. Em verdade, essa sequer seja a questão. O que sentimos é essa investigação semidesinteressada do diretor no uso das autorreferencias, no jogo com o olhar e expectativas do espectador (aquele que espera passivo ou não no assento). E nesse caso, positivamente, a posição não passa a ser essa.
Diante das situações, das imagens e dos personagens que Anderson problematiza, somos construtores e guiados pelas diretrizes do olhar do realizador para essa era de 1970 (des)idealizada. Certamente não podemos dizer que somos passivos diante do longa uma vez que ele pede da gente um forte investimento desde a sua primeira sequência.
Ou seja, ele nos requer a atenção de estarmos atentos para irmos e virmos aonde quer que esses personagens, soltos nessa Califórnia setentista, estejam. Interessantíssimo notar o modelo estabelecido para isso. Primeiro, em relação à distância que essa câmera mediada estabelece na sua maioria.
Ela nunca soa invasiva na sua tarefa de dar a ver nossos personagens. Quando ela precisa acompanhá-los, o faz a partir de travellings que revelam muito sutilmente toda uma intenção dessa cinematografia que nos convida convida a reflexão sobre o que seria essa possível arqueologia do espaço cinematográfico.
Uma espacialidade que não se baseia numa sistemática hiperdecupada da construção dessa imageticidade. Seja circunscrevendo o perímetro de uma fila de espera, uma via urbana ou restaurante no centro da cidade, esse topos parece remontar consistentemente a uma organicidade originária e quase esquecida da arte do filme. Não se trata de purismo.
É mais sobre um retorno à uma certa investigação sobre os limites de uma simplicidade complexificada do modus operandi com que essas imagens são concebidas. Na sua gênese: o ideal deleuziano da Imagem - movimento como índice de tudo o que o cinema contemporâneo (a exemplo do cinema moderno) pode entregar de melhor.
Em segundo lugar, vale a atenção para toda a potência que a dramaturgia exerce aqui. Na contemporaneidade, é sobre falar de como clichés podem se tornar alavancas construtivas no olhar compartilhado entre realizadores e espectadores.
Por exemplo, o amadurecimento pode ser um dos temas centrais na narrativa, mas não se atomiza em uma figura somente ou em um arco temático simplesmente. Tudo é sobre fluxo. Desse constante ir e vir que a própria vida exige da gente em nossa noção de realidade.
E foi muito em cima disso que Anderson estabelece o arco partilhado por Alana (Alana Haim) e Gary (Cooper Hoffman). Eles são mais que a promessa do par romântico. Eles merecem ficar juntos? Ficarão? Nada nos prepara para o que pode vir a ocorrer. Essa é uma das maiores potências dessa estrutura dramatúrgica.
No máximo, o que vemos com clareza é esse desenvolvimento que não vem aleatório. É dosado, construído e modulado pelos eventos (as tentativas constantes desses jovens de seguir os rumos das suas próprias vidas) ou pautados pela preciosidade que a metáfora visual exerce na sua capacidade irredutível de nos mostrar o instante da mudança de chave dessa figuras.

E no caso da nossa estória, isso ocorre para evidenciar o protagonismo de Alana. Toda a sequência do caminhão a ser guiado pelas vias noturnas de San Fernando representa isso brilhantemente. Com as mãos no volante, ela entende no auto da sua subjetividade que a virada na sua vida passou também pela construção do caminho que elas mesma traçou nessa descida com uma máquina sem combustível.
Ela, heroína desse maravilhoso conto, nos ensina isso. Marca na nossa memória o cinema como uma forma irrepreensível de materializar fomentos no nosso modo de olhar para a arte, não como uma imitação da vida, mas uma manifestação concreta de como a beleza, a fabulação e a magia da cinematografia resiste no cinema do "hoje".



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