Men: as diversas faces do trauma
- danielsa510

- 14 de set. de 2022
- 3 min de leitura

Direção: Alex Garland. Roteiro: Alex Garland. Produção: Andrew Macdonald, Allon Reich. Montagem: Jake Roberts. Fotografia: Rob Hardy. Som: Glenn Freemantle. Música: Geoff Barrow, Ben Salisbury.
É o conjunto de simbolismos o elemento mais preponderante do filme. Talvez o problema não seja ele em si. As metáforas visuais, em verdade, não são uma marca da filmografia do diretor Alex Garland e linhas gerais. De "Ex_Machina" (2015) a "Devs" (2020), foram as operações entre tecnologia e humanidade que teceram as narrativas do realizador.
Neste seu derradeiro longa-metragem ele testa algo diferente. Vai ao encontro de um dialogo entre os ditames da vida na contemporaneidade, as contradições da vivência nas relações cotidianas e as representações psicossociais como um reflexo disso tudo.
Ele tenta algo bastante parecido com obras como "O Cavaleiro Verde" (2021) e "Saint Maud" (2019). Ambas também lidam com esse misticismo histórico pelas vias do terror e da fantasia, mas colocando os três trabalhos lado a lado notamos que são projetos distintos.
Enquanto David Lowery lida mais com as instâncias desse universo histórico fantasioso, Rose Glass, investe mais nesse horror erótico. São de parte desses elementos subtextuais do subgênero que Garland opera seu filme. A questão nos parece ser que há uma espécie de inconsistência no agenciamento dos códigos dessa abordagem.
Ainda que entendamos e sintamos o fluxo da passagem desse drama psicológico para um horror mais conceitual, estilizado em certa medida, o mergulho nessa bateria de eventos simbólicos se estabelece muito pelo o que passa Harper enquanto protagonista.
Nisso não reside nenhum problema a princípio. A questão é esse desdobramento. Porque quando colocamos o presente filme em perspectiva de um "Aniquilação", por exemplo, fica bem evidente o quanto esta obra em questão lida muito melhor com essa passagem de uma caixa de situações que levam a protagonista até a revelação final da estória.
Em "Men", essa virada perceptiva parece mais blocada. Há o efeito desse fenômeno quase da ordem da indeterminação, mas, diferente do longa de 2018, ele soa mais "arbitrário" ou carente de uma lógica para o entendimento dos cursos dos eventos. Talvez essa impressão se sobreponha muito pela brecha que essa construção deixa para as análises explicativas dos vídeos feitos pelo e para o YouTube nos nossos tempos.
Ou seja, quando a personagem de Natalie Portman encontra a matéria alienígena no último ato daquela obra, tudo isso parte de uma premissa de grande consistência narrativa. Tudo na trama nos conduziu àquele evento. Na contraposição disso, quando Harper se depara no enfrentamento final com o seu antagonista, a revelação assume uma impressão bastante abrupta.
Não que precisaríamos estar preparados para isso, mas o desenvolvimento desse instante soa com um certo desequilíbrio. De fato, uma pista operante para as explicações a serem revestidas em possíveis views na lógica dos algorítimos da era da Internet.
Para além desse condicionante fato, vale nosso olhar sobre o quanto Garland se faz um realizador distinto no caldo da experiência cinematográfica contemporânea pela sua consciência no trato com os elementos mais concretos da matéria fílmica.
Um bom exemplo disso é a sua prerrogativa no uso do som como elemento fundante do filme. A banda sonora na sua visão não opera como mero acessório na corrente da narrativa em si. Quando ele vai pensar a aplicabilidade da trilha musical na trama, ela se desenvolve a partir de uma preposição narratológica no seu cerne.
Na sequência em que Harper vai explorar o território que cerca sua nova residência temporária, ela encontra um grande túnel que conecta dois lados de uma grande área nos arredores dali. Encarando o vazio da escuridão que a estrutura elíptica exorta, sua leve interjeição corta o silêncio como que em um teste dos limites daquela espacialidade.
O "ah - ah - ah - ahhh" logo se transmuta em uma pequena sinfonia. Uma composição do estranhamento que a acompanhará em determinados instantes da obra. Uma sonoridade que não é diegética, mas que se corporifica para materializar sonoramente certos excertos do filme.
A música deixa de ser um acompanhamento e se torna matéria pela quebra do cliché conceitual do horror contemporâneo. Nós sabemos de onde essa sonoridade veio. Ela não é fruto de um jogo preguiçoso, pouco criativo. E sim um desdobramento direto das possibilidades que o uso do som no cinema pode evocar.
Ele procede de uma lógica de manipulação da autoria em sua intenção de nos deslocar a partir de uma proposição de reconhecimento (de algo já ouvido). São detalhes que falam de um filme certamente não perfeito, mas talvez perfectível.



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