Movimento: a mágica viva de um fazer sem explicação
- danielsa510
- 5 de set. de 2022
- 2 min de leitura

Direção: Gabriel Martins. Roteiro: Gabriel Martins. Montagem: Gabriel Martins. Fotografia: Gabriel Martins.
Movimentar - se é estar vivo, sentir as coisas se alternando ao nosso redor. É ótima a analogia do filme de Gabriel Martins porque ele parte de um apontamento muito concreto para tentar dar conta das implicações que a pandemia da covid-19 trouxe para a sua vida em particular.
Interessante como, ainda que a doença em si traga esse componente das suas consequências globais, "Movimento" reorganiza essa significação para uma estória breve, contida na sua forma (com a limitação dos planos, a rigidez da câmera fixa e o uso de um som direto que em tudo nos leva para dentro da vida no interior da casa).
Mas também diminuta no campo do sentido. Refletindo sobre o próprio fazer de Martins, é como se o autor executasse, a partir da experiência do filme, uma atomização da sua prática audiovisual. Porque quando pensamos no seu último trabalho até então, "No Coração do Mundo" seria essa obra de expansão do universo temático por ele tratado desde seus primeiros curtas.
Ali, todas as narrativas se encontram nas mesmas ruas de uma Minas Gerais violenta e enigmática. Toda essa profusão de significações se ressignificam nesse pequeno curta de pandemia. Na paz da casa, nem temos a impressão que o mundo lá fora estaria (como ainda está) enfrentando seu maior desafio neste novo milênio.
Junto da filha e esposa de Martins, vamos nos tornando minuto a minuto um novo membro dessa família. Isso, no entanto, não ocorre por pressão de uma estrutura concebida pelo filme para tanto. A câmera capta o dia a dia para relatar o fluxo da vida em uma dinâmica não espetacular.
Nada de extraordinário ocorre e essa é a mágica que mobiliza a obra. Ver um bebê e um homem dançando ao som de Jorge Benjor ganha uma significância que já não nos evoca ao fluxo ordinário da vida. Começamos a entender estarmos diante de algo (extra)ordinário, de fato.
A mesma construção é a que se revela pela colagem eventual da aparição de um beija - flor que detona a movimentação do corpo por meio da dança ao redor de todo o mundo. Na impossibilidade de prover a captação in situ, Martins se vale da mágica do corte entre imagens para fabular o continuísmo da própria vida.
Nós não paramos, ainda que entendamos que o freio no fluxo das nossas vivências foi - e é - o que está garantindo a permanência da nossa existência nesse contexto tão probatório. O desafio não é sobreviver ao vírus, ao medo, às incertezas, mas reinterpretar essa realidade.
E o cinema que se volta para dentro de si e que se repensa, consegue ser a mágica viva de um fazer sem explicação. É o arco-íris feito de água, ar e uma lente de uma câmera. A existência de Tereza estará para sempre registrada nas memórias da família de Martins assim como esse mini fenômeno também estará.
O filme esta disponível nesta página do Instituto Moreira Sales.
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