Na Praia à Noite Sozinha: O exercício do cinema como sonho
- danielsa510

- 22 de jul. de 2019
- 3 min de leitura

Direção: Hong Sang-soo. Roteiro Hong Sang-soo. Montagem: Sung-Won Hahm. Fotografia: Hyung-Ku Kim, Hong-yeol Park. Produção: Hong Sang-soo, Taeu Kang. Som: Jea-Jin Song.
O cinema é um exercício estético-político de celebração da vida. O ato de celebrar aqui, no entanto, nada deve ter a ver com alguma representação piegas da vida por meio dos recursos que a cinematografia dispõe. Não! Falamos do filme que se autorreferencia sem que o dispositivo metalinguístico seja um fim que só cabe a si mesmo. E que se expande a partir dos distintos códigos encerrados ao longo do seu enredo. Essas considerações são uma boa parcela das questões que dão forma a um filme tão irrepreensível como Na Praia à Noite Sozinha (2017).
Dirigido pelo sul-coreano Hong-Sang-Soo, o filme conta a estória de Youghee (Kim Min-Hee), uma reconhecida atriz que após viver um caso com um homem casado, decide dar uma pausa na carreira retornando à Coreia do Sul. Entre manhãs aquecidas pelo café e noites regadas à álcool, ela rememora, com velhos amigos, as condições de um passado remoto e coloca em perspectiva os passos que pode vir a dar no seu presente incerto.
O longa é um trabalho estético-subjetivo sobre o peso e importância das escolhas que fazemos em nossas vidas. Isso, em momento algum é enviesado para situações melodramáticas de personagens que se perdem em um discurso vazio de autoindulgência. Pelo contrário, Sang-Soo está no total controle do trabalho que tem em mãos e isso se afirma da primeira cartela que anuncia os créditos iniciais do filme até o último plano que temos no mesmo.
E como é recompensador estarmos diante da experiência do cinema em que o realizador deixa claro o quanto ele estava no domínio da estória que conosco dividiu. O cinema enquanto imagem e movimento, tempo e espaço, sempre será um exercício da percepção tecido pelo olhar. Esse ver se potencializa quando a obra nos instiga a visualizarmos informações que rompem o espectro gráfico das imagens.
Até os seus primeiros 27 minutos, o filme é uma “projeção” daquilo o que a protagonista vê. Sang-Soo constrói uma espécie de câmera subjetiva sem dar índice algum, até o momento em que vemos Younghee, sentada em uma sala de cinema assistindo a um filme protagonizado por ela mesma. Ela sai do cinema e o filme dentro do filme tem continuidade. Mais lá na frente, entretanto, percebemos novamente que tudo o que ocorre à personagem daquele primeiro ato anterior era, na verdade, um sonho que ela teve enquanto dormia na praia à noite sozinha.
A forma anteriormente citada é percebida de modo igualmente singular pelos dispositivos que o longa adota para o desenvolvimento da sua narrativa. E assim como Sang-Soo idealizou o filme em seu sentido, na sua estética, o diretor determinou um tom bem específico para as sequências, cenas e planos da obra como um todo. Iniciando pelas sequências, vemos que elas se constroem numa estrutura de planos bem longos. Alguns chegando a ter 12 minutos, com pequenas variações em tracking shots que culminam numa sincrônica decupagem em tempo real da cena ali desenvolvida.
Esses pontos nos levam à montagem do filme. Esta, totalmente vinculada aos modos como os personagens entram e sem das cenas e do quadro. Notamos um uso cirúrgico do que chamamos de raccor, ou a fluida passagem das imagens entre os planos do filme. O campo e o extracampo são incondicionalmente complementares.
Do mesmo modo que o zoom é assinado como uma ferramenta que vai talhando a disposição das cenas de modo que recursos como o tradicional campo e contracampo se tornem totalmente dispensáveis. E ai é que reside a originalidade do cinema contemporâneo como ofício de arte e forma.
Essa é a magia do cinematografia contemporânea em toda sua potencialidade. De um exercício artístico que não se furta apenas a contar algo, mas sim propor um esforço do espectador em buscar entender o que ele vê diante da tela. Aqui, nós temos os índices da forma, subscritos no ato cinematográfico que se move pelo elemento da surpresa. E o estalo que temos quando entendemos o jogo que o filme nos oferece é algo impagável. É a primazia contida na obra como resultado de toda a sua perfeição.



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