O Último Azul: os descaminhos de uma longa jornada
- danielsa510
- 1 de set.
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Direção: Gabriel Mascaro. Roteiro: Gabriel Mascaro e Tibério Azul. Produção: Rachel Daisy Ellis, Sandino Saravia Vinay. Direção de Fotografia: Guillermo Garza AMC. Figurino: Gabriela Marra. Música: Memo Guerra. Montagem: Sebastían Sepúlveda, Omar Guzmán. Direção de Arte: Dayse Barreto.
Há pouco mais de uma década que Gabriel Mascaro passou a imprimir nos seus filmes uma carga mais narratologicamente ficcional. Não partindo do documentário de ficção (Esse Amor que nos Consome, 2012) ou da ficção especulativa em si (Mato Seco em Chamas, 2022), o realizador tem lidado com aquilo o que poderíamos entender por uma proposta de investigação da natureza distópica possível no contexto das narratologias cinematográficas brasileiras contemporâneas.
Óbvio que essa proposta de demarcação territorial desse fazer artístico não significa dizer que uma "linha" tenha sido traçada entre tudo o que o cineasta fez dos seus primeiros trabalhos de vertentes mais documentais, de KFZ-1348 (2008) a Doméstica (2012); até suas incursões dentro de um campo mais ficcional das obras, pegando ai o intervalo que compreende Ventos de Agosto (2014) até Divino Amor (2019).
Nesse mais recente trabalho, a impressão que ficamos é a de estarmos diante de uma obra que recua em determinados aspectos dessa retrospectiva da prática de realização do autor ao mesmo tempo em que tateia certos diálogos com uma tradição mais clássica da narrativa de aventura brasileira.
Na reconexão com esses códigos, Mascaro opta por operacionalizar uma dramaturgia mais pautada em um aspecto mais "plano" na construção das suas personagens na comparação com as figuras de seu filme anterior, por exemplo.
A questão, talvez, nem passe pela escritura de Tereza - uma vez que ela, assim como notamos da parte de Joana, no longa-metragem de 2019, inicia e encerra a sua jornada de modo distinto, há uma certa transformação por que essa idosa passa ao longo do caminho.
A ideia dessa planificação parece residir mais no modo como o diretor orienta a apresentação desse Brasil do futuro e a dinâmica com que os eventos da trama se estabelece. E diferentemente da distopia apresentada seis anos atrás, as ameaças, problemas ou obstáculos que a protagonista encara, aqui, acabam se abstraindo demais.
Uma diluição que se estende tanto em termos de forma quanto de conteúdo. Nessa Manaus do amanhã (ou seria do ontem?) pouco resta para além de alguns painéis de led informativos nos terminais rodoviários e pluviais presentes na cidade.
Até gosto do fato de o filme não colocar as telas como esse parâmetro da ambiência distópica -, ou mesmo no uso da mídia ou imprensa como um veículo de ilustração desse estado cotidiano das coisas -, mas a economia dos elementos que dariam conta da apresentação desse universo temático e espacial, nesse caso, aparece mais como uma sugestão na obra do que algo, de fato, palpável, que estaria ali para dar uma matéria ou uma organicidade maior ao trabalho como um todo.
É como se não sentíssemos que a condição de isolamento imposto a esses idosos pelo próprio Governo fosse um problema pontuado de modo prático na obra. A violência existe, mas apenas enquanto discurso.
E até percebemos isso nas falas dos personagens que atravessam o caminho de Tereza, mas eles surgem, consequentemente, apenas enquanto essa instância ilustrativa da oposição à situação a qual a aposentada se recusa a aceitar ou resiste, por entender que não estaria no "fim da vida".
"Esse governo se passa de bonzinho, mas ele é tão corrupto quanto todos os anteriores", diz um personagem em determinado momento. E isso define bem uma outra parte do problema cujo filme parece não conseguir condensar tão bem. A oposição, situação-problema não estaria cristalizada na figura de um "corpo", institucional ou pessoal que seja.
Óbvio que o estabelecimento de um conflito no cinema independe disso. Mas quando consideramos as experiências anteriores de Mascaro naquilo o que colocamos no início desta discussão, falta nesse mais recente filme essa construção de um todo mais universalizante.
Ou que consiga dar conta tanto das dimensões do campo dramatúrgico da coisa quanto dos componente mais ligados à técnica, como no caso da forma como a espacialidade é apresentada, introduzida no processo.
Filmando na organicidade de cenários calcados na vida real, as ruas, as vias, os rios e os "não-lugares" da Amazônia convocam esse estado outro, que foge, positivamente falando, de uma perspectiva espacial pré-fabricada ou hiperalegórica.
Por outro lado, no entanto, esse dado pouco parece ser, mais visualmente falando, aproveitado em favor da diegese que Mascaro buscara elaborar.
E aí, novamente, fala-se do futuro, seja pela boca dos personagens ou no modo como eles interagem com esse mundo, entre si, mas tudo ainda nos soa comum, genérico (não em um termo fatalista, mas pouco inspirado mesmo, acanhado).
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