O Silêncio dos Inocentes: da lógica do medo e seus estudos de determinação
- danielsa510

- 8 de ago. de 2022
- 3 min de leitura

Direção: Jonathan Demme. Roteiro: Thomas Harris, Ted Tally. Montagem: Craig McKay. Fotografia: Tak Fujimoto. Som: Tom Fleischman. Música: Howard Shore. Maquiagem: Neal Martz.
É notável a escolha da estrutura do filme se pensarmos em como ela se estabelece desde o princípio. Linear, ela não é pautada em um sentido de emergência narrativa ou no modo como os eventos vão se sucedendo.
Não sendo uma trama simples, considerando as especificidades do exercício da adaptação cinematográfica, é admirável a força com que Johnatan Demme articula os capítulos da obra de um modo muito fluido.
Porque o que poderíamos justificar apenas em função do excelente uso de uma montagem precisa, em verdade se fundamenta na sua essência pelo modo irretocável como a trama é desenrolada. Não estamos falando do gesto fílmico que coloca em cena as particularidades do universo do romance, ou de qualquer que seja os pontos da atuação dos atores.
Indo além dessa carga de superfícies, falamos mesmo do encadeamento irrepreensível com que os temas e a forma do filme se costuram. Novamente: tudo exposto através de um senso de paulatinidade que não é aquele do universo hiperespetacular do cinema mainstream contemporâneo.
O prólogo, por exemplo, diz muito disso. Porque desde o princípio, o longa dita esse ritmo gradativo que se baseia muito nos próprios eventos da vida. Uma corrida em um bosque, uma ida à uma biblioteca, uma visita a um hospital de Saúde Mental, tudo leva essa constituição naturalista que ecoa o próprio ritmo da "vida real".
Interessante como no exercício da ficção um autor consegue manter esse equilíbrio entre uma abordagem que é espetacular pela aura da trama em si (os tiras, os assassinos, psicopatas e assasinados) mas que se orienta por um respeito severo ao realismo/naturalismo com que a estória provoca igualmente.
Marcado por uma atmosfera fortemente sóbria, o filme está constantemente modulando o fluxo dessas ações. Mesmo quando o interesse está centrado na ação em si, não há esse intento em hiperdimensionar o que ocorre, mesmo quando a tensão opera em primeiríssimo plano.
Toda a sequência da transferência de Hannibal de uma cidade para outra e o que ocorre em virtude disso exemplificam bem essa construção. O ritmo nunca se altera numa tentativa de "impactar" sensasionalisticamente o espectador. O terror e o suspense cultivados e mantidos ao longo de todo o filme são apenas pontuados com mais intensidade em instantes específicos.
O último ato inteiro é sobre isso. Desse pequeno estudo sobre o medo e seus modos de determinação. A estória se encaminha para a sua resolução e a escuridão, o enclausuramento e a fobia formam a amálgama derradeira de trama. No centro de tudo isso, uma protagonista.
Importante pontuar a figura de Clarice aqui porque na última década do século XX, ela encarna essa construção irretocável da heroína que tem a consciência de que precisa se esculpir a fim de que alcance seus objetivos, lide melhor com seus traumas e opere alguma mudança mínima na sociedade em que ela se insere.
Por isso ela é uma figura brilhante e fortemente construída. Não é um estandarte vazio numa ânsia de significar algo, mas sim um ídolo polido capítulo a capítulo. Um estudo de uma personagem que não surge feita e que vai aprendendo suas espertisses no meio do caminho.
Ela vai além do ideal da mentoria. A figura de Hannibal supera essa perspectiva também. Ele não é um "mestre", apenas se fascina com quem Clarice é ou pode fazer nas situações em que se insere. O modo como a protagonista resolve o problema final é a perfectiva prova disso.



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