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Parasita: os limites indefinidos do (não) ser

  • Foto do escritor: danielsa510
    danielsa510
  • 6 de nov. de 2019
  • 3 min de leitura

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Direção: Joon-ho Bong. Roteiro: Joon-ho Bong, Han Jin Won. Montagem: Jinmo Yang. Direção de Fotografia: Kyung-pyo Hong. Design de Produção: Som: Tae-young Choi. Efeitos Visuais: Emily Switzer. Música: Jaeil Jung. Direção de Arte: Soo Lee



Quantos filmes do realizador sul-coreano Bong Joon-ho você já assistiu em vida? Caso esse encontro da arte desse homem com você ainda não tenha ocorrido, talvez este seja um momento propício à descoberta da sua arte. Isso porque seu mais novo filme, Parasita (2019), incita essa reflexão sobre quais os limites e arestas que definem as relações sociais estabelecidas por nós no dia a dia.

Na trama, todos os quatro membros da família Kim estão desempregados e vivendo juntos em um pequeno apartamento no subúrbio sul coreano. Porém, uma obra do acaso faz com que o filho adolescente, Ki-woo (Woo-sik Choi), comece a dar aulas privadas de inglês na residência da rica família Park. Fascinados com o estilo de vida luxuoso, os quatro membros da família Kim bolam um plano para se infiltrar nos afazeres da casa burguesa. Esse é o início de uma série de acontecimentos incontroláveis dos quais ninguém sairá ileso.


Para além da ideia de tema, entretanto, o que impressiona na obra é o fato de ela, ao longo das suas 2 horas e 12 minutos de duração, não fugir em nenhum momento da sua unidade estético-conceitual. Na verdade, o que Bong Joon-ho faz é construir um trabalho que muito conscientemente transita por diferentes momentos que juntos são uma colagem de distintos gêneros cinematográficos.

Esse, sem dúvida, seja um dos mais difíceis desafios para a prática da realização audiovisual contemporânea. Ceder à lógica de um cinema pré-fabricado, onde o humor muitas vezes só revela o vazio de uma concepção já gasta pelo tempo; ou ao drama que renega uma tradição construtivista e intimista nas produções, são desafios difíceis de se resolver.

Do erro inconsciente dessas decisões ao conscientemente equívoco que se toma por mera displicência, o que Parasite nos prova é o quanto o cinema é uma arte potencializadora de percepções. Ele pode nos manipular se assim o quiser. Mas quando estamos diante de uma obra fundante, percebemos quase que intuitivamente suas intenções.

Muitas vezes, aquilo o que ela acha importante olharmos, fica pontuado mais claramente. Aqui, o filme parte de uma discussão sobre classes sociais para tratar de desigualdade e violência. Sua grande questão, entretanto, é o fato de Joon-ho não simplicizar o seu fazer artístico. Não há vilões ou mocinhos nessa narrativa. Pelo menos não de modo pré-estabelecido.

É preciso olharmos nas entrelinhas de cada ato da estória para entendermos em que ponto do enredo o coeficiente parasitário se estabelece. “Deixe que o veneno entre. Assim mataremos esses vermes imundos”, diz em determinado momento o patriarca de uma das famílias, Kim Ki-taek (Kang ho-Song). Nesse ponto do filme, os insetos operam na narrativa literalmente. Eles não são uma personificação. Eles o são os parasitas, de fato.


Quando o segundo ato se desenvolve, é a família de Ki-taek que, metaforicamente, assume a posição de parasitar a vida da família Park. Ficamos com eles até o final do terceiro ato, quando o desenlace do filme nos apresenta a metamorfose final dos Park como uma espécie de nova gênese dessa condição tóxica. Nesse ponto, o misto de desprezo e arrogância parece estar intimamente ancorado na ideia de um sistema (capitalista) que ampara esse estado de (não) ser.

Não estar é o lugar de onde ambos esses núcleos familiares partem e findam. A pobreza e a sujeição podem ser aspectos que incitem empatia. Entretanto, se esses elementos são colocados no filme como um determinante da posição de protagonismo, por exemplo, a possibilidade de se reforçar a criação de esteriótipos é alta.


Por isso, o conceito se torna transitório. E ai, a riqueza e os privilégios sociais também são campo para esse não estar. Seus bens e prestígio social não te eximem da alienação quanto a realidade do mundo que te cerca. Essa passividade agressiva é um índice dessa contradição. Ela está arraigada em parte dessa família de classe alta. E isso legitima a decisão do diretor em destruí-los.

Portanto, não estamos diante de uma estória de vencedores e vencidos. O mais próximo que o realizador nos deixa disso é a reflexão sobre a ideia de um altruísmo invertido. Toda dor e desespero contidos nas linhas que definem essas personagens são escritas com o peso de um valor pago com as suas liberdades. Mas será que estamos mesmo livres em uma conjuntura como a atual vivenciada pelo mundo contemporâneo? Essa é uma pergunta que Bong Joon-ho nos deixa quando os créditos sobem à tela.

 
 
 

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