Paterson: os alinhamentos dos gestos fílmicos cotidianos
- danielsa510

- 25 de abr. de 2022
- 3 min de leitura

Direção: Jim Jarmusch. Roteiro: Jim Jarmusch. Montagem: Affonso Gonçalves. Direção de Fotografia: Frederick Elmes. Produção: Ronald M. Bozman . Direção de Arte: Kim Jennings. Música: Jim Jarmusch, Carter Logan, Sqürl. Som: Robert Hein.
Se esquecermos por um instante a ideia do "filme bonitinho", certamente conseguimos visualizar e entender melhor toda a potência contida na obra como um todo. É muito absurdo o que Jarmusch consegue fazer nas suas 1h57 minutos totais.
O tempo, quase que por indução, se torna parte dessa cosmologia a qual o longa vai tomando forma. E não somente pelo modo descritivo como o elemento vai sendo pontuado (nas cartelas dos dias, na referência do relógio a cada período do início das manhãs ou da alternância clara entre dia e noite).
Mas pelo próprio modo como ele figura opacamente a partir da prática de Paterson, seja pela inscrição dos seus textos ou pela dinâmica do cotidiano em si. E não somente pela via temporal a estória vai sendo fomentada.
A noção do espaço que o filme abarca dá a ver a concepção de um universo fortemente marcado por uma premissa naturalista, mas que também joga em instantes bem específicos com uma ideação onírica. De um realismo que em alguns momentos se evidencia principalmente pelo jogo que o enquadramento estabelece.
Por vezes sentimos estarmos diante de uma imagem impressionista, por outros instantes, na frente de um uma obra expressionista (sobretudo pelo jogo das sombras; dos espaços vazios de viventes e ultracompostos por uma natureza viva; pelas ruas soturnas durante o dia ou ao longo da noite; ou pela presença das crianças (e elas são inúmeras) durante o filme.
Em aliança a esses pontos, uma outra questão parece se sobressair como uma métrica que atravessa o filme inteiro. É quando falamos dessa dicotomia entre situações de alta carga dramática e outras de uma potência irrevelável, quase imperceptível. Essa parece ser uma razão pela qual Jarmusch certamente consiga desdramatizar tanto seu trabalho aqui.
Quando um evento de alta tensão ocorre, ele geralmente tende a ser - não desacreditado em função do modo como sua resolução se dá. Mas reorientado significativamente para essa esfera de contemplação que envolve o universo dessas personagens.
Uma tentativa de assassinato se revela apenas uma atitude de desespero de um homem desacreditado pela paixão doentia de um amor não correspondido. "Sem amor, qual a razão para qualquer coisa"? A pergunta lançada ao fim dessa sequência em específico nos leva direto ao ponto de maior envergadura temática e dramática do filme.
Do mesmo modo, a tragédia do clímax se revela, não menor do que ela de fato o é pelo fato de ter sido consumada nos termos que ela ocorre. Nem tanto tenha a ver com Marvin ou da negligência do próprio Paterson a algo que ele ao longo de todo a narrativa não o faz.
Esbarramos em outro gesto simples a propósito. Porque aquilo o que ele levaria 30 minutos para fazer em um fim de semana, lhe custa o tempo e os dias de todo um período inteiro da sua vida. Tragédia. Estamos novamente diante de um evento sem volta, que ocorre na esteira de um contexto aparentemente banal, mas que se revela - dicotomicamente - sem retorno para nosso herói.
Mas como toda estória sobre amadurecimento, Paterson não se priva da dor. Ele a sente e a chama para seu lugar lugar preferido na cidade homônima. Quando a consciência volta à tona só uma frase mais fica no rebobinamento dos duas desse grande homem. "Às vezes, uma página vazia dá mais possibilidades". A segunda-feira chega, assim como um novo início para o motorista poeta. Lindo.



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