Pequena Mamãe: ressignificação dos modos de se contar no cinema
- danielsa510

- 25 de abr. de 2022
- 3 min de leitura

Direção: Céline Sciamma. Roteiro: Céline Sciamma. Montagem: . Direção de Fotografia: Claire Mathon. Figurino: Céline Sciamma. Produção: Bénédicte Couvreur. Música: Jean-Baptiste de Laubier. Som: Daniel Sobrino, Julien Sicart, Valérie de Loof.
Importante não cairmos na ideação do "pequeno filme". Todo filme pode ser um grande processo. Partir dessa premissa nos leva a uma outra relação com as obras. A um caminho que não necessariamente precise estar atrelado a rótulos disso ou daquilo o que a peça artística possa vir a ser.
Celine Sciamma sempre entendeu isso e chegado esse ponto da sua filmografia, a realizadora consegue exprimir aqui um minimalismo muito específico. Ligado sobretudo à relevância de repensarmos a fabulação dentro da abordagem realista no cinema.
Quando pensamos o realismo na experiência do cinema é muito marcante a perspectiva de Bazin e Martin ao colocar lado a lado as vertentes imagéticas e realistas. Nesse binário, os autores mais ligados ao poder da imagem levavam muito da sua vivência e visão de mundo pessoal e subjetiva para dentro dos filmes.
Do outro lado, aqueles que acreditavam mais na potência da realidade não consideravam tanto o valor da imageticidade em detrimento à investigação daquilo o que a realidade poderia servir de base para a construção das suas narrativas propostas. No meio desse tapete conceitual, o cinema de Sciamma parece encontrar uma vereda de permanência muito feliz.
Nesse novo trabalho, não é como se tivéssemos de olhar para o que ela fez, por exemplo, sob um gesto de exclusão. Porque seu filme pode ser um ou outro ponto acima traçado. Ele se inicia sob uma vertente muito calcada numa construção naturalista, mas que não não parece tão apegada a uma cartilha irredutível da representação desse real diante da tela.
Quando vamos pensar todo o prólogo e a primeira sequência do longa, sutilmente essas bordas são ressaltadas. Afinal, nada parece ser mais realista do que vermos Nelly se despedindo leito a leito dos amigos da sua avó em uma casa de recuperação para idosos.
O gesto repetitivo da criança que vai de quarto em quanto dando "adeus", passa a ser mais que uma convenção narrativa para a a abertura da história. É essa marcação do cunho da realidade que aquele contexto impunha à personagem.
Na chegada ao fim da vida da pessoa a quem ela tinha afeto, essa longa despedida carrega um peso que nem mesma ela ainda entende o valor. Tomando como referência o grupo dos pecadores que acreditam na força do real na expressão do cinema, essa sequência se estabelece a partir disso.
Logo em seguida, dentro de um carro e junto da sua mãe, Nelly inicia a retomada da sua vida. Até aqui, tudo nos conduz a uma percepção realista desse evento. Mas Sciamma entende muito bem a dinâmica do fluxo que ela mesma propõe para o seu trabalho.
E dentro desse esquadrinhamento pautado pela imperatividade do real, ela propõe uma quebra estética no modo de percebermos esse instante. Em primeiro plano, vemos a "Mãe" no assento dirigindo um veículo. No banco de traz, Nelly come um pacote de salgadinhos.
Como mostrar isso sem que necessariamente a captação tenha de revelar uma tomada padronizada em plano e contra - plano, por exemplo? Evocando o poder da imagem. O extra campo se torna esse lugar onde a imagem se redimensiona. Ela se metamorfosea, garantindo uma proposta de alternância ao nosso próprio modo de olhar para uma situação dessa.

O plano segue centrado na figura da mãe que conduz o veículo, mas a mão da pequena filha que entra surpreendentemente pelo lado esquerdo do quadro gera essa quebra no regime do modo como a realidade passa passa a ser captada pelas lentes da câmera.
A imagem aqui torna - se imperativa e a ela em maior valor passa a significação daquilo o que vemos. Claro que isso é apenas uma parte do todo que o filme nos seus 72 minutos dá conta. O modo como ele lida com as vertentes dessa realidade imaginária é de fato sua maior virtude.
Um trabalho que nos ensina na prática como o cinema ressignifica os modos da contação das narrativas do crível e do impossível.



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