Persona: a dor como elemento irrefreável da dimensão humana
- danielsa510

- 14 de abr. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 5 de jul. de 2021

Direção: Ingmar Bergman. Roteiro: Ingmar Bergman. Montagem: Ulla Ryghe. Direção de Fotografia: Sven Nykvist. Produção: Ingmar Bergman. Som: Lennart Engholm. Música: Lars Johan Werle.
Ingmar Bergman é um dos maiores diretores que o cinema já teve. Lançou bases sob a linguagem e explorou as potencialidades do fazer artístico como poucos. Sua estética com o filme que obedecia uma dinâmica quase teatral gerava críticas, mas foi com um trabalho que surgiu na forma de um processo de pesquisa e experimentalismo que o realizador colocara todas essas questões em cheque. Desse contexto foi que surgiu seu irrevogável Persona (1966).
Na estória escrita pelo próprio Bergman, Alma (Bibi Andersson) é uma enfermeira que passa a acompanhar uma paciente chamada Elisabet Vogler (Liv Ullmann), uma atriz que sofre de um trauma que a impede de falar. Reclusas numa casa de veraneio, as duas mulheres entram num processo irreversível de mudança de personalidade onde a enfermeira se torna a paciente assumindo a própria personalidade desta.
O psicologismo é a linha mestra que guia o filme. E Bergman, apesar de ter assumido a psique como um ponto de alta relevância em toda sua obra, em Persona leva esse quesito ao máximo da precisão. E no filme ele expõe isso no seu caráter prosódico, muito ligado às mensagens que o texto que o roteiro aponta, mas também na disposição das imagens que compõem o filme na sua totalidade. Mas comecemos pela imagem, que salta primeiro no longa.
Na sequência de abertura, em recorte de vários planos remonta uma ideia de um cinema experimental. Aqui, estamos diante do filme antes dele mesmo, que assim como as primeiras experiências cinematográficas do século XX se apresentavam através de um prólogo, que não necessariamente nada precisa ter a ver com a narrativa em curso. O que não é o caso de nosso filme. Porque Persona é metalinguístico tanto na forma quanto no conteúdo.
Falar desse aspecto de um “teatro filmado” na obra de Bergman se torna vital porque a partir desse ponto há um rompimento com o próprio método de realização até então realizado pelo diretor. É claro que devemos entender o filme como um processo que veio sendo construído a cada obra executada. E desde Juventude (1951), a concepção desse plano fechado, claustrofóbico e que tem o corpo do ator como sua moldura vinha sendo trabalhado.
Ullmann e Andersson passam a ser, em determinados momentos, o próprio enquadramento. E a câmera juntamente com a fotografia passam a estar em função dos atores e estes desempenham o papel em função daquilo o que a técnica lhes propõe. Não há intenção de “mascaramento” da forma, no entanto. A câmera avança e recua e a dimensão do plano vai sendo medida diante dos nossos olhos. E se as personagens estarão fazendo uma simbiose de personalidades, a imagem igualmente vai se metamorfoseando. Fechando-se cada vez mais.

E se na forma Bergman deixa sua proposta sem brechas para dissonâncias, no conteúdo ele expande seu trabalho de maneira esplêndida. Afinal, do primeiro ao último plano, o longa flerta com o terror e o suspense. Podemos falar num terror redimensionado, onde o medo surge não do sangue, da morte, ou do susto, mas muito mais das patologias que se encrostam na nossa psique e que nos complexificam em tudo o que temos de mais obscuro e fraco.
Por isso as personagens de Ullmann e Andersson sofrem tanto desse aprisionamento psicológico que brota do arrependimento nas ações da vida e da frustração que ambas passam por não saberem quem são, ou quais lugares ocupam nas suas vidas. E esse sofrimento é um fruto do desejo e da inconsequência que tem de ser assumidas por essas duas mulheres por meio de um único sentimento: a dor.
Obra de natureza total, Persona figura entre uma das tantas realizações assinadas por Bergman e que ajudaram a fomentar a história do cinema. De “O Sétimo Selo” (1967), “Morangos Silvestres” (1957), passando por “O Ovo da Serpente (1977) e Fanny & Alexander (1982), esse brilhante artista escreveu seu nome no universo do cinema que ultrapassa a atmosfera do rótulo se “arte” assumindo o conceito como um dado motriz do seu processo criativo”. Um artista eternizado não apenas por seus 38 longas metragens em mais de 50 anos de carreira, mas pela sensibilidade e refino com que fez uso da arte como uma poderosa ferramenta reflexiva.
Assista ao filme na íntegra abaixo:



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