Pop Ritual: Nos limites do que são e podem os corpos
- danielsa510

- 8 de mar. de 2020
- 2 min de leitura

Direção: Mozart Freire. Roteiro:Mozart Freire. Fotografia: Daniel Pustowka. Som: Vivi Rocha. Produção: Bárbara Cariry. Música: João Victor Barroso. Montagem: Abdiel Alselmo, Jônia Tércia.
Pop Ritual (2019) é um filme sobre uma gama de temas. Um deles é a dinâmica estabelecida pelos corpos. Mas que corpos são esses que hora não possuem uma cartela classificativa, ora se enclausuram sob a indumentária intransponível dos dogmas e desejos reprimidos? Parte das respostas vêm em subtextos e outras são alocadas a partir daquilo o que a ação pode extrair da dramaturgia do curta.
Na narrativa, Padre João Maria (Alcantara Costa) captura e prende Abigail (Khalo de Oliveira), um vampiro que vive enclausurado em um antigo casarão sessentista. Sob a tutela do religioso, Abigail passa por uma série de estranhos experimentos. A relação entre os dois, entretanto, se desenvolve para um inconvencional regime tóxico afetivo onde o erotismo e as taras formam um único núcleo que os levarão ao extremo das suas existências.
Falar da ação aqui é importante porque ela é uma espécie de matriz primária da obra. Tudo o que vemos ao longo dos 20 minutos da projeção é uma construção dramatúrgica que vem das expressões corpóreas dessas figuras. A supressão dos diálogos nos lembram a ideia defendida por Sergio Leone (1929-1989) de que a base do filme é o roteiro e o ideal é que sua escrita sempre se baseie na ação. 18 páginas de diálogos eram suficientes, dizia o mestre italiano.
Apesar de não ser propriamente um filme de ação, a exemplo do seu antecessor “Janaína Overdrive”, Pop Ritual descreve sem superexpor sua situações dramáticas. Não há diálogos expositivos. As falas, na verdade, inexistem aqui. Não há língua partilhada por essas duas figuras. O desejo e o ódio são latentes e partes de um jogo de duplicidade em um tempo indeterminado.
Essa indeterminação cronológica também ajuda na modulação das referências na obra. A ficção científica e o filme de terror são molas mestras de onde o curta parece partir. Interessante como apesar desse recorte bem delimitado, ele não se limita a esse espectro do gênero. As variações tonais do universo ciberpunk e das inspirações “cronenberguianas” com as experimentações do body horror movie são muito latentes aqui.
Quem é antagonista e quem protagoniza a narrativa desse universo indefinido? É revigorante vermos nossos filmes verdadeiramente reimaginando a ideia do dogma regionalista em nossas produções. Sim, sabemos que devemos muito à Rosemberg Cariry e Wolney Oliveira, mas para tópicos de enfrentamento complexos como os que nos aguardam em um futuro que já é presente, olhar para além do que está diante de nós é um mais que um ato de resistência.
Diante de uma engrenagem que opera na base da aniquilação literal e de sentidos, resistir se torna um ato de sobrevivência. A existência das ideias em que acreditamos depende disso, e isso é o que trabalhos como Pop Ritual ressoam tão bem.
Quais as fronteiras daquilo o que é concreto na representação e o que é indeterminação nos signos e símbolos não evidentes que o filme expõe? Parte das repostas estão encontradas nas imagens ou em parte do que elas dão a ver. Para enxergá-las, entretanto, é preciso olhar com atenção.



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