Possessor: o corpo como armadilha da mente
- danielsa510

- 10 de nov. de 2021
- 3 min de leitura

Direção: Brandon Cronenberg. Roteiro: Brandon Cronenberg. Montagem: Matthew Hannam. Direção de Fotografia: Karim Hussain. Produção: Niv Fichman. Música: Jim Williams. Efeitos Visuais: Bryan Jones.
Econômico e direto, Possessor (2020) lida muito bem com os recursos de encenação de que dispõe para a construção desse futuro (ou seria passado?) sombrio. Não há necessidade alguma de se pregar uma contextualização expositiva que seja para a apresentação do universo da narrativa.
Há duas corporações na trama e a crítica sobre esse composição de um mundo polarizado pela força e o poder econômico parece ser a grande premissa de Cronenberg. É claro que o grafismo das imagens e a violência que emana no fundo disso evidenciam a veia do terror do filme.
Mas esse não é o condutor da estória em si. A investigação sobre as origens e consequências desse mal surgem em primeiro plano aqui. Ela, no entanto, não está evidente e para notarmos isso precisamos juntar as informações que os eventos da narrativa supõe. Entendemos parte da premissa de Tassya (Andrea Riseborough), mas suas intenções pessoais não são o condutor da trama.
Nessa realidade distópica e futurista, a morte e a violência parecem ser as únicas vias possíveis na composição desse tecido social. Os próprios laços entre as pessoas não são regidos por uma liga afetiva. É como se entendêssemos que algo deu errado (lá atrás ou mais a frente) e os valores socialmente estabelecidos foram redefinidos.
Ninguém se liga a ninguém necessariamente. E isso remete muito a uma construção que é distópica, mas que parece remeter muito a uma ideação de um passado remoto. Algo próximo à experiência do século XIV, onde os laços maternos, por exemplo, nada tinham a ver com conceitos como amor incondicional pelos filhos.
Por isso essa protagonista nos pareça tão crua. Não há espaço para qualquer melodramismo, nesse sentido. Quanto à violência, por outro lado, tem uma abordagem dura focada. Quando ela irrompe na tela, Cronenberg nos coloca diante da dureza desses corpos que se dilaceram e se transfiguram em cena. Esse talvez seja o maior terror da dinâmica dessa sociedade.
Acessar a versão sem cortes, nesse sentido, faz grande diferença porque a impressão final é a de estamos diante da proposta total a que o filme se propõe. De fato, a veia gráfica dessas cenas não soa como mero fetiche visual. Lembremos: para uma sociedade onde a regência é a corrupção dos valores humanos, esse estado violento de estar no mundo vem como forma de ratificação estética e conceitual.
Não entendo como se o autor buscasse com isso banalizar e justificar essa premissa. Mas sim como um modo de abordar com maior crueza estilística e é de sentido o filme por ele proposto. É claro que ele não se enclausura unicamente nesse par temático.
Chama atenção, por exemplo, como ele monta esse estado de estranhamento na estrutura seja por meio da fotografia ou no uso e mixagem dos sons nele contidos. Afora o criativo uso das projeções e da iluminação nos ambientes, notamos essa impressão desse deslocamento impresso no modo como os planos são propostos.
A imagem parece usualmente recortada. Como se estivéssemos diante de um "crop" grosseiro na cena. Por vezes há muito espaço no quadro acima de onde os personagens estão enquadradados ou foco mantém - se somente em um ponto do plano, estando toda a borda do quadro manchada ou retorcida.
São precisas formas de materializar esse "fora de ordem" que nos coloca para pensar sobre os possíveis que a ficção - científica de horror na contemporaneidade pode nos dar a ver. É menos sobre chocar uma audiência por meio da força que o grafismo imagético pode causar e mais sobre nos sugerir uma correlação indireta entre aquilo o que notamos visível na cena e que se reforça e dá sentido ao tema do filme como um todo.



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