top of page

Pulse: as dimensões da assombração contemporânea

  • Foto do escritor: danielsa510
    danielsa510
  • 7 de jun. de 2021
  • 3 min de leitura

Atualizado: 9 de jul. de 2021


ree

Direção: Kiyoshi Kurosawa. Roteiro: Kiyoshi Kurosawa. Produção: Yasuyoshi Tokuma. Música: Takefumi Haketa. Montagem: Jun'ichi Kikuchi. Direção de Fotografia: Jun'ichirô Hayashi. Direção de Arte: Graciela Oderigo. Design de Produção: Tomoyuki Maruo. Som: Makio Ika


O que os fantasmas podem querer da gente além de nos assombrar? Essa parece ser uma das principais questões que o filme busca problematizar tanto partindo da investigação temática sobre essas bases contemporâneas do medo aliada à experiência prática de construções possíveis no campo do cinema de gênero.


Interessante que Kurosawa não objetive recriar os códigos do horror e sim trabalhar com base nas referências mais claras que temos nesse campo. Essas assombrações não se inserem na narrativa de modo desprorporcionado. Eles têm uma razão de existir e isso não diz respeito somente à idéia de um mal a ser combatido por um personagem A ou B.


Pelo contrário, esse "monstro" se corporifica, na verdade, pela consequência direta do mal que a depressão, a tristeza ou a solidão, por exemplo, causam na vida da sociedade contemporânea. Seus efeitos são devastadores e ganham forma a partir desse "não existir" ou desse "desistir" da vida que esses jovens japoneses adotam cotidianamente.


Importante entendermos que essa é uma estrutura de exposição formal e conceitual que garante todo um caráter muito particular do filme. O medo não surge aqui do nosso contato com o espectro em si, mas muito mais em função da atmosfera sob a qual a obra vai se sedimentando. Por isso a centralidade de entendermos os efeitos práticos dessa reflexão sobre as problemáticas que apontamos anteriormente.


Esse cansaço da existência e seus consequentes términos, definido seja pelos próprios personagens, ou pelas ameaças que os fantasmas assumem, são importantes engrenagens de onde Kurosawa extrai energia para desenvolver os eventos da narrativa. Ele não parece querer modular nosso olhar pela veia de uma ameaça à ser superada.


Criamos certa afeição e alguma projeção em determinados personagens, mas a decisão final sobre o que vai ocorrer a eles está totalmente na mão do autor. Nos desapegarmos ou não a eles parece depender única e exclusivamente ao diretor.


Ele não nos frustra totalmente, mas entende a relevância de nos colocar, enquanto espectadores, no lugar daquele que vê possíveis projeções se dissiparem junto com a vida de alguns desses jovens. E o mais interessante é que essa parece ser uma decisão tomada, não para nos chocar deliberadamente, mas muito para nos instigar uma reflexão sobre essa espécie de mal estar na contemporaneidade a partir daquilo o que as novas tecnologias, por exemplo, podem nos incitar a fazer ou como reagir dentro do mundo.


Por essa e tantas outras razões dizemos que Kurosawa é sem sombra de dúvidas um dos diretores mais influentes desse século. A obra dele é muito reconhecida pelo fato de ele conseguir juntar e trabalhar, a partir de cada filme, elementos e temáticas específicas do cinema de gênero de uma forma muito particular. É isso é o que ocorre em Pulse.


É por isso que não seria exagero dizermos que, em 2101, portanto daqui a 80 anos e um século após o lançamento do filme, um filme como Pulse significará para a geração daquele ano, aquilo o que Nosferatu (1922) significou para geração do início do século XX. Afinal, conciliar forma e conteúdo filmicos continua e seguirá sendo um dos maiores desafios do exercício cinematográfico.


Isso exatamente porque Kurosawa é um realizador que trabalha muito bem o conceito do exercício da consciência dentro do fazer audiovisual. Tudo o que vemos no plano do filme tem uma razão de ser. A ideia do quadro dentro do quadro aliada ao tema da opacidade nas relações sociais transpõe o campo metafísico e se materializa a partir daquilo que vemos no nível do plano.


Essa é uma das inúmeras belezas do cinema de todos os séculos. Da arte que nos leva para além dos sentidos que presumimos absorver ou partilhar na nossa experiência particular com cada filme.

Comentários


bottom of page