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Rivais: dinâmicas do dissenso

  • Foto do escritor: danielsa510
    danielsa510
  • 3 de mai. de 2024
  • 3 min de leitura

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Crédito: MGM

Direção: Luca Guadagnino. Roteiro: Justin Kuritzkes. Montagem: Marco Costa. Direção de Fotografia: Sayombhu Mukdeeprom. Produção: Luca Guadagnino, Amy Pascal, Rachel O'Connor, Zendaya. Efeitos Especiais: William Cunha. Efeitos Visuais: Virginia Cefaly. Som: Craig Berkey, Paul Carter, Thomas Varga, Lisa Pinero. Música: Trent Reznor, Atticus Ross.


É a dinâmica do trato entre espaço e tempo, entre outros relevantes pontos, que orienta o filme de Luca Guadagnino. Se formos considerar as experiências recentes do cinema mundial na sua escala narrativa, são muitas as obras que parecem não saber lidar ao certo com as regras espaço-temporais enquanto índices ativos da gramática cinematográfica.


Gosto bastante como ele orienta os eventos em torno de uma espacialidade que sugere uma limitação, ainda que ela venha para reforçar o todo formado pelo conjunto da proposta narrativa em termos de conceito/conteúdo e forma/estilo.


Falar dessa espacialidade limitada, no entanto, nada tem a ver com alguma fraqueza que o filme venha a demonstrar. Ela é justamente a força de onde ele tira sua capacidade de se desenvolver sem ter de, necessariamente, ceder a vícios ou equívocos de interpretação tão comuns em uma grande parte das obras de ficção em uma perspectiva narrativa.


Se considerarmos que algumas partidas de tênis, enquanto modalidade esportiva, e portanto, determinada e condicionada pelo elemento da temporalidade, chegam a durar entre três ou quatro horas, o que Luca Guadagnino faz é experimentar essa dilatação própria do tempo vivido em um evento circunscrito na realidade para condensá-lo na estrutura especificada pelo fenômeno fílmico.


E o jogo, aqui, passa a ser a brincadeira com a duração da obra em suas duas horas e 10 minutos e cuja tarefa é dar conta de apresentar uma estória intertemporal. Ou seja, de uma partida de tênis que passa a ter, não mais suas quatro horas, mas sim, que se desenvolve ao longo de 13 anos.


Nessas mais de duas décadas onde a diegese - ou a realidade - do filme se desenrola, até podemos ficar com a impressão de estarmos diante de uma trama estabelecida em circuito ou que gira em torno de si mesma dada sua estrutura. Mas novamente, Guadagnino não permite isso.


Ficamos com o sentimento de estarmos diante dos mesmos personagens mais tempo do que o cinema mainstream contemporâneo têm nos mal acostumado a percebê-los e, certamente por isso, persista essa sensação de uma hiperexposição dessas figuras em torno de um mesmo problema, partilhado por três pessoas no intercorrer dos anos.


E nessa lógica de uma paixão / amor compartilhado entre esses dois homens e uma mulher, isso basta para a sustentação de toda a base de onde o filme se fundamenta. Juntos, Tashi (Zendaya), Art (Mike Faist) e Patrick (Josh O'Connor) se bastam. E voltando de onde iniciamos a reflexão, eles sequer precisam sair do mesmo lugar para que possam nos levar junto aonde forem.


Ainda que entendamos que isso signifique falar dos limites dos hotéis, centros esportivos e a quadra onde a partida decisiva entre Art e Patrick ocorre. Quase como um exercício de contra ponto ao cinema dos múltiplos espaços geográficos e intercontinentalizados, tudo se dá em uma localidade única.


Mas reiterando: jamais temos a sensação de sermos levados por um trabalho em círculo. A ideia da circularidade só se faz manifesta para entendermos o desenlace final tal qual ele se dá. Nisso, uma outra lição a obra nos sopra. O cinema contemporâneo narrativo e ficcional não deve se curvar ante o impulso da estrutura que coloca o conflito como cerne das suas histórias.


Isso não significa dizer que Guadagnino tenha rejeitado o esquema. Pelo contrário. O que há de mais firme aqui são as dissidências entre seus personagens. Isso, no entanto, não se coloca de modo simplista. A tensão é constante no seio desse triângulo humano.


A questão é o modo como esse dissenso se manifesta. Ele é conciso, esquemático, palpável (porque se dá muitas vezes na pele, mesmo) e maduro (por nos apontar uma consideração final onde o futuro se faz durante a própria escrita do nosso presente). mas não seria esse também um futuro para a experiência do cinema em si? Certamente.

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