Shang-Chi e a Lenda dos Dez Aneis: o cinema como prática de desconexão
- danielsa510

- 12 de nov. de 2021
- 3 min de leitura

Direção: Destin Daniel Cretton. Roteiro: Dave Callaham, Destin Daniel Cretton, Andrew Lanham. Montagem: Nat Sanders. Direção de Fotografia: Bill Pope. Produção: Kevin Feige. Música:Joel P. West.
O uso das referências dentro de uma obra audiovisual pode ser um dos meios mais interessantes de medirmos o êxito de um filme, para além daquilo o que público ou crítica percebem da obra em si. Parto desse ponto porque o uso, talvez, inconsciente, desse escopo referencial seja algo mais latente no filme inteiro.
E não para o bem, necessariamente. Partindo do princípio, temos essa primeira abordagem rumo aos elementos do Wuxia e por um breve instante acreditamos que a obra vai de fato se utilizar do subgênero para desfiar parte do seu conteúdo. Nada disso ocorre. Cretton e seus parceiros de roteirização passam à referência seguinte.
Imagine - se assistindo uma sequência onde um ônibus desgovernado atravessa parte de uma cidade inteira. Caímos em Velocidade Máxima. Aqui, adicionamos à sequência um conjunto de cenas de luta (bem coreografadas, ainda assim). Retornamos a Mr. Nice Guy (1997). Mas o que todo esse segmento nos diz? Ainda ficamos sem saber. Somos apresentados às habilidades de combate do protagonista e após o excerto de ação, sucede - se uma cena expositiva/auto explicativa.
E assim o filme vai, de uma citação desconexada à outra tomando o espaço para a metragem se "preencher" em suas cerca de 2h13 minutos. O problema não está no uso das referências entrecruzadas e sim na desconexão entre os seus usos. Se formos pesar em um parâmetro, a série 007 é um excelente exemplo de como o uso criativo ou ao menos cordial disso é feito.
A cada filme, há algo de um projeto remamascente ou outro na sua constituição. E tudo bem. A soma do todo nunca se anula em função disso. O mesmo não ocorre aqui. Nesse produto da empresa de Kevin Feige, quase nada parece restar para além da incapacidade da obra na sua totalidade em trazer uma narrativa de ação e fantasia consistentes.
Falar do elemento fantasioso aqui importa porque ele pode ser uma guia para as intenções do estúdio e seus filmes seriados. Ele precisa ser medido pela veia ultra-fantástica endossada por um ato escrito por roteiristas preguiçosos ancorados apenas numa perpectiva esvaziada de pensar? Nao. Entregar - se tudo ao fim pela via CGI está longe de ser uma adoção técnica funcional.
Todo o arco da batalha final lida extremamente mal com tudo isso. E não falamos apenas do componente técnico em si. Todo o conjunto de ações que vão desde a escolha do modo como esses personagens vão sendo apresentados na estória até a maneira como suas motivações são sustentadas não produzem efeito de afirmação nenhuma ao fim do ato.
E não, não é o caso de falarmos na "química entre os atores" , ou quanto o modo como "eles estão bem no papel da comédia que alivia a tensão dos instantes de confronto direto". Isso não ocorre. Principalmente porque nao há esses momentos de tensão ou perigo eminente. Depois porque esse front-man é o mesmo herói de origem que já vimos uma década atrás.
Joe Johston, Keneth Branagh, Ryan Fleck e Anna Boden já fizeram esse filme antes, com a excessão ou uso comparativo no exagero dos efeitos visuais, personagens medíocremente subdesenvolvidos e seus vilões não equivalentes. Tudo isso parece dizer muito de uma cinematografia que não encontra força pelas mãos do realizador que detém sua assinatura. E aqui cabe dizer que Creton não é um mal diretor.
Ele assina Temporário 12 (2011), que é de longe um dos melhores dramas indies da última década. O que acontece então com esses realizadores? O que sai errado no meio caminho quando eles não conseguem assumir de modo construtivo as mesmas referências que pontuarmos no início da conversa? Essa é uma questão.
Alguns colocam o saldo na conta do índice plástico, chegamos na fotografia. Essa paleta cinzenta e não colorida, por exemplo, parece mesmo revelar até uma certa vocação naturalista do filme. Mas não na forma como os eventos se sucedem e sim na parte estética/plástica do longa em linhas gerais.
O que pode ser um equívoco. Já que isso não é o que garante necessariamente a sobriedade na narrativa apresentada. Uma estória bem contada, sim. Cretton poderia fazer e refazer esse longa quantas vezes fosse possível, talvez ele não conseguisse consertá - lo, e isso é realmente uma pena.



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