Stromboli: Rossellini e o rompimento entre eras do cinema
- danielsa510

- 10 de out. de 2021
- 2 min de leitura

Direção: Roberto Rossellini. Roteiro: Roberto Rossellini. Montagem: Roland Gross. Direção de Fotografia: Otello Martelli. Produção: Roberto Rossellini. Maquiagem: Mel Berns. Música: Renzo Rossellini.
O lamento de Karin (Ingrid Bergman) aos pés do vulcão que abriga o vilarejo de Stromboli diz muito do próprio subtexto que o filme abarca. Esse intertítulo religioso é supracitado do início ao fim da obra e sempre de modo muito sutil, apesar de marcante. Essa é a capacidade outorgada pelos grandes realizadores ao longo da história.
Impressiona, entre outros pontos, o direcionamento objetivo com que a narrativa vai se desdobrando a cada capítulo. Mas não que estejamos olhando para esse desenvolvimento de modo mecânico, limitadamente de modo gramatical ou mesmo burocrático. O convite que Rossellini nos faz superar tudo isso.
Esse pedido engloba toda uma carga de atenção que busca e se fortalece a partir desse jogo que aparentemente induz a uma interpretação clássica da construção dramatúrgica, mas que se revela na sua totalidade já como uma experiência total de um cinema já legitimamente moderno.
Moderno porque já estabelecia naquele início da década de 1950 uma proposta de encenação que não cabia mais unicamente no desejo de representação clássico. Por isso podemos entender a atmosfera de deriva estabelecida pela trama como um todo. Apesar do senso de objetividade dos eventos, entre a execução e o reflexo deses movimentos há constantes momentos de suspensão.
A caminhada de Karin pela vila logo no inicio da sua chegada ao local, a sequência da grande pesca no litoral do região e o clímax de modo geral, implicam bastante na modulação desse sistema que evoca e encontra suas forças nesses instantes de suspensão dessas ações. Elas não são antagônicas, mas complementares.
Juntas, conduzem essa experiência modular entre toda uma carga referencial de um cinema que emerge da gramática classicista e que caminha rumo a um novo regime de diálogo com a concepção das imagens que ele tem consciência que deve mobilizar. No nível formal, impressiona a compressão que Rossellini tinha disso.
Ou seja, do entendimento que o filme deveria já se inserir dentro desse escopo de uma temporalidade autônoma e pelo vazio que separa as próprias imagens destacadas nesse mesmo filme. Essa é uma questão trazida por Rancière quando da sua reflexão sobre os desdobramentos da característica moderna contida na filmografia Rosseliniana a partir do pensamento de Deleuze.
É dentro desse sentido que realizador italiano estabeleceu seu cinema de imprevistos onde a oposição mais latente era aquela que oporia ao relato clássico a descontinuidade e a ambiguidade essenciais da própria realidade.
Ao lamento entoado por Karin aos pés do vulcão que subjuga Stromboli, corresponde esse Deus que não responde tão somente ao reflexo dessa ruptura sensório - motora associada por Deleuze à própria quebra histórica da Segunda Guerra Mundial.
O resultado disso: O agenciamento de situações que não convergem ou levam a resposta adequada qualquer. Esse é o silêncio que oprime a protagonista instantes antes dos créditos finais surgirem na tela.



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