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Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo: os limites e fronteiras do fílmico

  • Foto do escritor: danielsa510
    danielsa510
  • 21 de jun. de 2021
  • 3 min de leitura

Atualizado: 6 de jul. de 2021


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Direção: Marcelo Gomes, Karim Aïnouz . Roteiro:Marcelo Gomes, Karim Aïnouz. Montagem: Karen Harley. Direção de Fotografia: Heloísa Passos. Produção: Daniela Capelato. Música: Carlos Montenegro


Gotas de orvalho artificiais em pétalas de flores de plástico. A reflexão do geólogo José Renato (Irandhir Santos) é uma espécie de marca modular dos sentidos que a estória do filme concentra. Essa superficialidade torna - se tão cara para a obra como um todo, que ela passa a não dizer respeito somente à desorientação do protagonista unicamente, mas também busca dar conta da própria retratação dos espaços, pessoas e condições sócio - culturais que ela coloca em pauta.


Longe de ser um documentário político ou mais especificamente de "denúncia", a experiência aqui é uma ficção que não está mais calcado nas demarcações limítrofes daquilo o que o cinema contemporâneo (feito no Brasil) já naqueles idos do final da primeira década de 2000 daria a ver. Em verdade, já não dava mais. Esse, já hoje estabelecido, hibridismo ali se cristalizava muito conscientemente no fazer cinematográfico que ali se colocava.


Uma questão importante que se coloca é: o que é um filme? Porta de entrada poderosíssima para estabelecer o terreno acerca de tudo o que poderia germinar e derivar de bom ou ruim desse fazer, a interrogação é uma premissa - base para a modulação dos possíveis que o cinema feito em nosso país (insisto nessa pontuação, porque há essa diferença prática no uso do termo). À luz da contemporaneidade, vale demais a reflexão sobre o cinema que é feito no Brasil com o cinema brasileiro, ou feito na tora em terra e com recursos nacionais.


Esse é, por exemplo, um trabalho que funciona muito bem nesse meio caminho. Do projeto que surge dessa possibilidade criadora e inventiva que o fazer proporciona - já que o longa emerge daquilo o que uma obra anterior teria sido (Cinema, Aspirinas e Urubus, 2005). E daquilo o que excesso, faz - se um novo trajeto. E da ficção por essência, faz - se essa experiência narratológica dualística.


Dentro dessa doce indefinição que permite que ela seja o que quiser, não importa. Do mesmo modo como não interessa se você jamais olha nos olhos desse narrador que te leva aos recônditos do nordeste brasileiro. Goste ou não, ele é seu único guia. E a sua voz e mão, são as demais partes dos sentidos que completam esse recorte de um filme também incompleto. Não estar "inteiro", à propósito, é a sua potência primária.


Essa pode até ser interpretada sob alusão da persistência de algumas imagens cujo sentido ou significação se diluem na extensão da próprio coeficiente imagético impresso na tela. Muitas vezes, não sabemos se escutamos ou estamos diante de uma iconografia meramente documental, do registro, ou de uma captação de alguma esfera do terror, da desolação, da tristeza e da melancolia. A imagem persistente de uma figura como a prostituta Cláudia Rosa diz muito disso.


Ela nos encara sob o véu dessa "música sombria" e a partir dessa construção já não sabemos diante do que aquela figura nos olha. É um estranhamento reconfortante, daqueles que a arte tem interesse poder de emanar e transferir àquele que encontra-se diante da tela. Esse imobilismo pode estar diretamente ligado também a essa aura irredutível que o cinema enquanto fazer se vale. Ou por acaso não devamos acha que o interrogatório de Renato à também profissional do sexo Patricia Simone da Silva vem à reboque de tudo isso?


Ele é a síntese basilar que coloca em negativo a zona cinza do autoritarismo que a autoria cinematográfica impõe. Atrás da câmera, nosso geólogo se transforma naquele que tem o poder de inquirir e dizer o que seu interlocutor tem de exatamente dizer. "A boate fica perto da feira é? Diga: a boate fica perto da feira. Diga de novo", ordena a voz que não tem forma.


O poder de quem está com a mão na câmera e aquele que é subjugado pelo poder da lente se evidencia ainda mais nesse ponto. E no fazer audiovisual isso é uma representação apuradissima do uso criativo e crítico da abordagem sobre as fronteiras que recortam o cinema desse novo milênio. A vida lazer de Patricia não está apartada da possibilidade que a utopia de um amanhã idealizado ou alcançável estabelece. Se a câmera registra, então, esta estabelecido.


Essa preciosidade da nossa cinematografia está escondida nos recônditos que o algoritmo da Netflix busca esconder dos usuários. Quebrar essa barreira se torna uma vitória em meio a esse estado que a dinâmica com o streaming estabelece.


Você pode assistir ao filme completo no link abaixo




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