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Anatomia de uma Queda: justeza de um cinema cinema antirresponsivo

Direção: Justine Triet. Roteiro: Justine Triet, Arthur Harari Montagem: Laurent Sénéchal. Direção de Fotografia: Simon Beaufils. Produção: Philippe Martin. Som: Olivier Goinard. Direção de Arte: Camille Bodin.


Não há perguntas contidas na obra de Justine Triet que ela se coloque na necessidade de apresentar respostas. Seu compromisso maior parece ser com a investigação das possibilidades presentes e aparentes na formulação das tramas do filme. Há uma morte e também os desdobramentos disso, mas o interessante é notarmos o quanto a diretora se compromete com a precisão esquemática que seu trabalho deve ter.


Antes de apontar caminho para uma viagem fatalista, ela investe numa espécie de naturalismo bem áspero. Num sentido de, por exemplo, abrir mão de recursos condutivos, como a música extra diegética para investir em trilhas sonoras específicas.

Um piano a tocar numa grande sala, uma canção reproduzida em volume máximo dentro de um sótão ou a reprodução de um diálogo como forma de evidência em um processo jurídico.


O som, assim como muitas vezes acontece com o espaço, assume uma dimensão de protagonismo para estruturar parte da narrativa na sua totalidade. Não há trilha incidental e apenas os ruídos e bandas sonoras provenientes do realismo fílmico guiam nossas percepções no curso da estória.


Mas muito mais do que uma experiência meramente técnica, estilística ou maneirista, Triet busca a constituição ideal para uma variação da narrativa, seja no pré, no pós ou no entreato das problemáticas que marcam a obra nos seus campos técnico-temático. Indo numa direção oposta ao que o drama judicial clássico poderia apontar, "Anatomia" joga com os possíveis do modelo de representação dramático contemporâneo.


Porque se em Doze Homens e uma Setença" (1957) Sidney Lumet colocava no centro da trama as reminiscências da palavra do homem modero na mesa, mais de meio século depois, a diretora francesa aponta suas lentes atentas para as zonas intersticiais do lugar da mulher na sociedade contemporânea e a leitura que esse mesmo corpus social faz dessa subjetividade.


No embate entre essas forças tão complexas é que a autora encontra um ponto de inflexão entre aquilo o que é comentário social, jogo cênico e interpretação da espectatorialidade.


Porque se formos nos aproximar mais da dinâmica comparativa daquilo o que poderíamos entender enquanto uma cinematografia criticamente sociológica, Triet faz algo para além do que Ruben Östlund, por exemplo, parece não ter conseguido - ou ao menos deixa de ver na sua assinatura.


Que é justamente a de mais supor do que mostrar e também se valer de um leve humor não-genérico ou cínico, mas que opera para nunca deixar a estória se perder na teia naturalista do seu sistema de representação proposto.


Há sim um peso gigantesco em torno de tudo o que circunda e resvala sob a figura de uma personagem como Sandra. No entanto, não há espaço maior que aquele dado no filme à incitar uma reflexão sobre como uma mulher poderia enfrentar a mão do Estado e da cultura informacional sozinha e sem ceder à tragédia do show da vida.

Esse é o passo que o cinema antirresponsivo nos convida a dar e que Triet tão bem entendeu a esse ponto da sua filmografia. Essa é a justeza desse tipo de cinema.

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