Deadpool & Wolverine: do cinema e suas armadilhas de saturação
- danielsa510
- 28 de jul. de 2024
- 3 min de leitura

Direção: Shawn Levy. Roteiro: Rhett Reese, Paul Wernick, Ryan Reynolds, Zeb Wells, Shawn Levy. Direção de Fotografia: George Richmond. Montagem: Shane Reid, Dean Zimmerman. Produção: Kevin Feige, Ryan Reynolds, Shawn Levy. Som: Samson Neslund. Música: Rob Simonsen.
Sem nada mudar, que tudo seja diferente. A frase atribuída a Robert Bresson em Notas Sobre o Cinematógrafo nos aponta uma reflexão dos possíveis para esses filmes de super-heróis dos nossos dias. Devemos odiar essas obras espontâneamente? Não. A arte do cinema é um exercício de fé, em maior medida, e por isso nosso julgo geralmente tenderá pelo discurso da crença.
A questão é que, diante da peça fílmica, crê cegamente pode ser um problema e certamente esse é um dos pontos centrais do paradoxo envolvendo o subgênero na atualidade. Tanto David Leitch quanto Shawn Levy não são autores e por consequência incapazes de propor algo a mais dentro da estrutura do filme narrativo para além daquilo que o mercado internacional mainstream exige, demanda.
Vivemos numa época estranha, não no sentido da escassez de obras e estórias delas oriundas. O mundo, na sua complexidade, é um receptáculo quase inesgotável de referências para o exercício do storyteller. O próprio Mangold falou sobre isso essa semana.
Uma fala que coloca em retrospecto os modos como Hollywood lida com o próprio exercício das sua produções. No caso da Marvel Studios, a cartilha é bem essa. Os chefes de produção falam em engajamento do público, mas essa lógica de apropriação não necessariamente passa por um entendimento de que o compromisso primário da obra deveria ser com a gramática do exercício do cinema como gramática.
E tudo sobre esse filme, em particular, passa por isso. Na sua estrutura como um todo não há um entendimento sobre o que uma narrativa de aventura possa vir a conjurar. Em último caso, sem dúvida, uma atmosfera de eventos organicamente sequenciados bastaria.
Mas sequer isso Levy consegue fazer. Falta tato para o mínimo e com isso a intenção do filme inteiro implode antes do prólogo terminar. Quando os créditos iniciais chegam ao fim já temos um quadro do que o filme é. A crítica é sobre ser um trabalho pautado em muitos alívios cômicos (quase em todas as cenas em todas as sequências?) Não.
O cinema de comédia pode e é um lugar onde mais se é possível experimentar narrativas menos densas sem que para isso seja preciso abrir mão do coeficiente estilístico e de consciência cinematográfica, acima de tudo. A problemática aqui é apenas se tratar de um projeto preguiçoso mesmo.
Todos os eventos não encarnam consequência alguma em respeito a tudo o que se propõe ser um "problema" a ser desenvolvido pelos personagens. E na mesma toada até os segmentos de ação ou de combate entre essas figuras soam gratuitas, pré-fabricadas.
Não passam nem por um esquema de estilização ou maneirismo em se retomando exemplos no gênero como sempre tão bem fez John Woo ou Carpenter em termos de atmosfera ou como Zack Snyder ou Michael Bay chegaram a fazer nos níveis da plasticidade da imagem desse tipo de cinema.
No geral, o que esse terceiro Deadpool comunga é um conjunto de algumas sequências de combates gratuitos e sem efeito algum para o curso do todo representado naquilo o que esse narrativa poderia ter sido. Mais uma vez, o problema não é a comédia de ação, é a escolha da concepção no total.
Os confrontos, por exemplo, poderiam emular muito bem essa espacialidade de lugar nenhum com o mínimo de intervenção figurativa ao fim das contas. São dezenas de pessoas figurando numa produção frágil em muitos termos e isso esfacela o filme de dentro para fora. É como um negativo da falta de habilidade do realizador na condução e construção da forma do filme. É vexatório por essa mesma razão.
Entendo que tudo na diegese, ou na realidade da estória, leva esse ar de descompromisso devido ao ar de "zoeira", como dizem os espectadores passivos das nossas salas de projeção cotidiana, mas o cinema é técnica e como toda arte de fazer ela presume uma certa artesania, e principalmente uma afetuosidade para a construção desses universos, sejam em obras para adultos ou de classificação livre.
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