O Esquema Fenício: Violência, Tensão e tragédia em Wes Anderson
- danielsa510
- 4 de jun.
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Direção: Wes Anderson. Roteiro: Wes Anderson, Roman Coppola. Direção de Fotografia: Bruno Delbonnel. Som: Valentino Giannì, Wayne Lemmer, Chris Scarabosio. Design de Produção: Adam Stockhausen. Direção de Arte: Esther Schreiner, Neneh Lucia. Música: Alexandre Desplat. Produção: Roman Coppola, Henning Molfenter, Wes Anderson. Montagem: Barney Pilling.
Interessante como a violência, a tensão e o discurso em torno de situações envoltas em intrigas internacionais aparecem no filme ou passam a ser, todas juntas, um alicerce que, certamente, até então, ainda não tínhamos percebido dentro da filmografia do Wes Anderson.
Sim, todos estão falando sobre a questão da "saturação do estilo", do "Wes Anderson no modo automático", etc. mas pensemos por um minuto: isso é tudo o que se pode dizer sobre o filme? Não. Há tanta coisa aqui. Óbvio que não estamos falando da grande obra do diretor, até então, ou sobre o melhor filme daqueles lançados em Cannes este ano.
Não é isso. Mas se nos esforçarmos um pouco mais, conseguimos sair da espiral que nos direciona, acidentalmente ou não - vai saber - para o pensamento viciado do discurso enviesado. Citei esse estado violento das situações porque em poucos trabalhos anteriores do diretor notamos essa tônica.
Lembro que no engraçadíssimo "Ilha dos Cachorros" (2018) há algo do tipo: os personagens estão, vez ou outra, metidos em situações-limite. Um acidente, um ataque. E nisso, o corpo ou a corporeidade dessa figuras vai, de acidente a incidente, sendo marcada ou quase mapeada por essas trilhas trágicas aparentemente suavizadas pelo traço específico que a comédia suscita às obras.
E ainda que o filme lide com uma trama de espionagem, a ação, em si, não acontece nos moldes daquilo o que o gênero geralmente subentende. Naturalmente há sempre uma espécie de refreamento no trato genérico e o fluxo da comédia dramática se superpõe ao modelo anteriormente citado.
O que nos leva ao tópico sobre como o Anderson trabalha um esquema de certa rigidez no seu cinema. Longe de ser um problema, penso que o que algumas pessoas acabam confundindo é o método da austeridade cinematográfica com aquilo o que elas, muitas vezes, supostamente gostariam de ver em tela.
"Diálogos chatos", "personagens enfadonhos", são algumas das pontuações que se fazem em cima de determinadas decisões adotadas pelo diretor mas que, ao meu ver, pouco tem a ver com o fato de certa obra dele funcionar ou não.
Na era das curtidas em redes sociais e do pensamento campeão da dinâmica do contemporâneo, vale uma visada crítica e mais atenta sobre o quanto as decisões tomadas por uma(um) diretora(or) podem não ter uma relação com alguma meta não atingida, mas muito mais com algum exercício de aposta em um gesto estético sobre o que seria a manifestação do desgaste ou do cansaço transposto no tecido narrativo de um filme.
Vale aqui o paralelo com o trabalho de outros grandes realizadores como Bresson, Straub-Huillet, Costa, Joaquim Pedro de Andrade, etc. Não é nem que Anderson se assuma numa proximidade desses realizadores. Eles estão em universos muito diferentes, mesmo. Mas apenas reimaginar uma lógica que não esteja calcada numa recomendação tão risível daquilo o que é expectativa em torno daquilo o que o espectador e em medida máxima o crítico (quer) ver.
Talvez, não por acaso, "O Grande Hotel Budapeste" (2015), por exemplo, figura como um dos mais queridinhos filmes feitos pelo realizador, apesar de títulos como "Três é Demais", "A Vida Marinha com Steven Zissou" (2004) ou "O Fantástico Sr. Raposo" (2009) soarem muito mais interessantes narrativa e conceitualmente falando.
Entre todos eles, a morte, inclusive, delimita esse traço do evento que surge como o item a gerar a "perturbação" dentro da lógica controlada de Anderson, processualmente falando.
Um aluno que deseja se livrar de um professor por ciúmes em função de uma relação de amor platônica que essa figura mantém com uma professora mais velha; uma morte decorrente de um ataque de tubarão, ou um animal que cede aos seus instintos primários em detrimento à natureza "civilizadamente" fabular.
É o fator inesperado e que incute esse peso dramático e tragicômico dentro da proposta dos filmes. E tudo isso nos leva a entender que nem sempre o cinema vai trazer na tela aquilo o que presumimos ver na tela. Essa é a mágica do jogo.
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