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Rambo: as fraturas póstumas da guerra no coração dos homens

  • Foto do escritor: danielsa510
    danielsa510
  • 22 de out. de 2022
  • 3 min de leitura

Direção: Ted Kotcheff. Roteiro: Sylvester Stallone, David Morrell. Produção: Andrew G. Vajna. Montagem: Joan E. Chapman. Fotografia: Andrew Laszlo. Direção de Arte: Tom Bronson. Som: Bub Asman. Música: Jerry Goldsmith.


"Eles que começaram", diz John Rambo naquela que pode ser definida como a frase que dá grande parte do sentido que o filme leva consigo. Porque, não nos enganemos, passados exatos 40 anos do seu lançamento, a obra é uma das mais contundentes reflexões sobre as delicadas e dialéticas questões que a guerra (sobretudo a do Vietnam) circunscreveu na história mundial contemporânea.


Para isso, precisamos nos esquecer por um momento da premissa do filme de ação clássico. Abandonemos a ideia do brucutu programado para matar. Poucas figuras do cinema do gênero soam tão humanizadas quanto Rambo. De volta à vida, agora como civil, esse homem retorna sereno mas não consegue se reinserir na sociedade que, alheia a tudo o que ele pode ser, o aloca na delicada borda que divide o homem contemporâneo da sua sanidade a sua loucura.


Fora de si, é onde ele encontra aquilo o que ele menos parece querer ser, agora: uma máquina de guerra indestrutível. Mas ele não se esquiva disso. O arquétipo daquilo o que o personagem é, se moldou a partir dessa premissa. E aí ele destrói todos que cruzam seu caminho. Mas quem são os inimigos desse homem? Seria somente o xerife prepotente e sua equipe de subordinados despreparados para enfrentar situações-limite como aquela imposta pelo confronto com o ex boina verde?


Seu oponente, de fato, não é Hope (Brian Dennehy) ou mesmo a sociedade que o renega desde a conclusão do conflito setentista. Mas sim o trauma. É essa rachadura interna que mais profundamente parece fragilizar a figura desse protagonista "invencível". É claro que todos os desafios impostos a John ao longo dos 93 minutos do filme operam muito na construção dessa atmosfera genérica. Mas ela não esvazia a potência da narrativa em nenhum momento.


Interessante como Ted Kotcheff, entendendo essa dinâmica, intercala muito bem as sequências de ação com os diálogos que contextualizam o universo que rodeia esses homens. Quando a fala é uma premissa, ela nunca surge como um elemento descartável ou meramente ilustrativo. E sim como uma parte da apresentação dialógica que serve como uma força de expressão dos valores e questões que atravessam Rambo em tudo de admiravel e problemático no qual ele se faz.


E quando o seu foco se volta pra ação em si, ela é usualmente propositiva e segue um movimento de progressão, nunca retrocede para algo que já tenhamos visto anteriormente na narrativa. Chegando ao seu limite, John destrói tudo o que parece restar dessa força tóxica de Holidayland como que num gesto de expurgação final da sua ira e perturbação. A pois isso, o herói implode. Rendido, ele entende que não na lugar ali aonde ele possa ir.


Daí por que a crítica é tão consistente no filme como um todo. Apesar desse epílogo não nos conduzir a um fechamento em aberto (tal qual o corte de Ridley Scott para Blade Runner, 1982), mas nos sensibilizamos com o desarme dessa figura que se despedaça diante da tela. Sua explosão, emudece consistentemente Trautman (Richard Crenna), o único homem da estória cujas respostas estavam sempre à mão.


Sem argumento, ele só acolhe sua maquina de guerra. Ídolo definitivo, não de um arquétipo que tem o machão como índice, mas sim, do indivíduo que se subjetiva, mesmo no pós evento da barbárie.

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