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Samsara: morrer à tarde, no cinema

Direção: Lois Patiño. Roteiro: Lois Patiño, Garbiñe Ortega. Montagem: Lois Patiño. Direção de Fotografia: Mauro Herce, Jessica Sarah Rinland. Produção:Leire Apellániz. Som: Xabier Erkizia.


O que o cinema mundial contemporâneo quer de nós enquanto espectadores? E o que nós mesmos, ocupantes dessa posição, esperamos desse cinema em troca? São questões como essas que literalmente atravessam a arte do filme e nos colocam em um posto de tangência a partir daquilo o que as obras oferecem no campo do conceito e da técnica.


O trabalho de Lois Patiño sempre esteve relacionado a uma experiência de um cinema mais expositivo e até mesmo experimental. Suas narrativas partem muito de uma espacialidade naturalista para refletir sobre as alegorias da vida contemporânea e as particularidades do universo dos sonhos na concepção dos próprios mundos habitados e construídos pelas humanidade.


Em Samsara (2023), ele se volta, curiosamente, para aquele que pode ser lido como seu filme mais "narrativo" até então. Sycorax já trazia esses índices de uma estória de releitura da literatura para o teatro e desse para a cinematografia, mas chegado esse novo ponto, o diretor galego dá um passo a frente na intenção de se auto deslocar.


Ele deixa um pouco de lado a investigação intrínseca à potência da imagem enquanto índice gráfico e se volta para um jogo estabelecido em algum lugar entre o movimento de construção de personagens, o documentário de ficção observacional, e o cinema expandido.


Patiño pede nossa crença, ao sugerir uma construção dramatúrgica pouco atada a convenções, é verdade, mas que em última análise, não parece preocupada, por isso mesmo, com qualquer formatação narratológica específica de uma gramática cinemática padroniza. Ele não opera em um regime áustero na construção das situações vividas pelos seus personagens.

Mais vale os laços que tece tendo como guia a ideia da vida e morte nos limites dos nossos mundos terrenos e imateriais. Para isso, se divide entre dois continentes. Catapulta suas lentes para o começo do mundo e não ao seu fim. Ele sai do continente enviezado pela mancha da colonização ao encontro das sabedorias asiáticas e africanas.

Um deslocamento que ocorre pelo redirecionamento do seu próprio olhar enquanto realizador, bem como do nosso na condição de espectadores. Uma proposta que dá-se pelo entendimento daquilo o que a câmera pode captar de mais terno e caro nas nossas interações no mundo contemporâneo.


São as histórias de pessoas que dorme sob uma tapeçaria mística e transcedental ou se preparam para a travessia inter-campal entre essa vida e uma próxima. No meio do processo, Patiño nos convida a fecharmos os olhos em um exercício de escuta ativa daquilo o que está na diegese fílmica, de tudo o que diz respeito ao universo real do filme e de todas as coisas que nos rodeiam na sala escura em sua condição de espaço cinematográfico.


Passado algum tempo, um outro filme nos vai sendo revelado. Não mais pela plasticidade das imagens, mas pelos ruídos e via registro de tudo o que a ambiência da obra nos remete. E como o próprio diretor afirma, o filme passa a ser entendido e visto por nós, a certo ponto, com os olhos fechados.


Olhamos para as imagens depois de algum tempo novamente, mas já não as entendemos do mesmo modo quando de antes da travessia desse plano para outro. No meio do caminho, algo acontece. E para se entender essa alteração, é preciso estar na experiência de quase morte na sala escura. Temos de nos deixar morrer neste momento em uma sala de cinema.

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