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Top Gun: Maverick - o rompimento dos vícios cinematográficos

  • Foto do escritor: danielsa510
    danielsa510
  • 9 de jan. de 2023
  • 5 min de leitura

Direção: Joseph Kosinski. Roteiro: Christopher McQuarrie, Ehren Kruger, Justin Marks, Peter Craig, Eric Warren Singer. Produção: Jerry Bruckheimer, Tom Cruise, Christopher McQuarrie. Montagem: Eddie Hamilton. Fotografia: Claudio Miranda. Design de Produção: Jeremy Hindle. Som: Christopher Boyes, James Mather. Música: Hans Zimmer, Lady Gaga. Efeitos Visuais: Marc Chu.


O rompimento com uma série de vícios de parte da cinematografia (de blockbuster) contemporânea pode ser lido como uma das maiores potências de Top Gun: Maverick (2022). E é curioso que, ainda que o longa assuma determinados códigos como a revisitação do trabalho de origem, ele não se deixa tragar por isso. Partindo do prólogo, por exemplo, há toda essa ambientação que reproduz de modo quase idêntico, a abertura da obra original de 1986.


Toda a ambiência é construída de modo a constituir quase uma aura de simulacro do que víamos no longa de Tony Scott, seja pela plástica do conjunto imagético formada pelos operadores de vôos, os aviões, as pistas de pouso e o céu em tons de laranja e preto, ou pela junção da música utilizada na sequências de abertura de ambos os filmes.


Quando esse prólogo se encerra e os créditos iniciais (que também brincam com essa estética dos letreiros oitentistas) saem da tela, o primeiro capítulo tem início com figura do protagonista. Sozinho, Maverick aparece realizando reparos finais em um avião antes de iniciar os eventos do filme de 2022. Mas será que esse que vemos é o mesmo personagem da primeira estória?


Ao que nos parece, não necessariamente. E é aí que esse jogo dual entre essa verve saudosista e uma abordagem mais contemporânea se inicia. De fato, é ótima a ideia de que esse "herói" possa ser lido como um "homem vindo do futuro". Dessa figura que surge repentinamente sem uma contextualização aparente e vá simplesmente colidindo e operando a partir de todas as situações que essa narrativa apresenta.


Não é que tenhamos de ler que esse capitão da aeronáutica norteamericana não tenha envelhecido. Ele envelheceu e parte dos problemas que ele tem de resolver estão atrelados a essa questão. O ponto é que o olhar desse homem é sempre à frente. Porque ainda que ele tenha débitos com outros personagens da trama, como ocorre com Rooster, ele não se deixa anular pelos tópicos do que ficou para trás ou mesmo daquilo o que se apresenta para ele como um obstáculo no agora. Saindo da sua garagem, ele se transporta direto para os conflitos que carregarão o filme adiante.


Ele precisa provar a eficácia do programa de vôos operados por pilotos humanos para garantir a subsistência desse sistema contra a descrença de um superior, aqui assumido pela figura de Hammer Cain (Ed Harris). Dar esse preâmbulo importa porque ele exemplifica bem a dinâmica inteira que Joseph Kosinski imprime na obra do início ao fim.


Há esse retorno a uma revisitação de certos traços daquilo o que Ases Indomáveis (1986) foi e de tudo o que Maverick (2022) passa a ser. Há essa ambientação saudosista atestada no prólogo, mas ela se liga diretamente a esse ato 1 que diz muito do filme da contemporaneidade em tudo o que ele pode ter de mais forte, seja na sua construção dinâmica no modo como a ação ocorre ou na agilidade com que as situações são reveladas, exploradas e resolvidas.


É isso o que ocorre quando Maverick toma o avião, desafia o seu chefe e prova seu ponto. Uma sequência apresentada de modo direto e que funciona excepcionalmente (no sentido da sua eficácia) como um pequeno filme dentro do filme como um todo. Isto posto, o segundo capítulo tem início e assim o longa se sucede até o seu encerramento.


Claro que ele não é só isso e sua força também emerge muito dessa supervisão que Christopher MaQuarrie denota ao subsidiar o tom que sua assinatura nos dois últimos Missão Impossível (2015/2018) emprega ao longa de Kosinski consequentemente. Nessa junção, voltamos à questão da sobriedade de um filme que é referencial, por realocar revisionadamente certos traços dos personagens em seus tons arquetipicos: o (a) soldado(a) marrentos; mas que também se faz dinâmico por assimilar conscientemente essa agilidade que a estilística do cinema dos nossos tempos, e sobretudo a do blockbuster contemporâneo, deve assumir.


Essa é a experiência do cinema de milhões de dólares, mas que se compensa por entender isso sem se anular nas suas próprias tendências. O alívio cômico diz muito disso. Quando vemos Maverick saindo pelos fundos de uma casa no meio da noite depois de um encontro às escondidas, ele é flagrado - após cair no terraço da residência - pela filha da mulher com que ele passara a noite.


A garota o encara, ele retorna o olhar, mas não há piadinhas sobre o que essa situação poderia ser. A jovem só diz algo como "só não machuque minha mãe". Não há meio sorrisos ou qualquer leitmotiv bobo acompanhando essa construção. Isso é sobriedade.

É a atenção a detalhes que esse cinema de quatro dígitos em sua maioria não entende como operar. Ele não precisa ser ultracomplexo e o público dessa fatia não tem o dever de estar atenta a isso.


Mas é muito bom quando aqueles que estabelecem uma relação menos passiva e mais consciente da natureza do filme percebem esse zelo e cuidado que os realizadores do mainstream podem vir a evocar na experiência experctatorial. Nos colocando ao lado de uma outra borda interpretativa, claro que podemos problematizar toda uma gama de questões que estão presentes na obra de modo concreto e na linha da sua subjetividade. A incitação e o comentário sobre o estado bélico e de guerrilha estadunidense é um desses eixos como alguns colegas têm apontado.


A inflexão é consistente e válida mas não configura o nível da análise que lidamos aqui. Não se tratando de olhar com uma lupa para os elementos interpretativos de como uma obra de ficção pode denotar esse ensaio ou testamento de como se tornar um mundo um lugar um pouco mais (ou muito mais) pior, olhamos para o filme como matéria, unidade estilística, conceitual, de sentido e forma.


Discutindo isso, aí sim, os argumentos, como os colocados anteriormente acima, validam sua defesa como um dos melhores e mais sólidos trabalhos entre todos os blockbuster lançados nos últimos dois anos. As analises de 4/5 - 5 estrelas atribuídas à obra são um resultado da leitura dessa equação. Não é sobre o Cruise e sua avatarização que funcionam bem dentro dos propósitos desse cinema de gênero, muito menos acerca dos comentários usualmente vazios que a produção emula nos materiais extras como a velocidade, ação real, etc.


É sobre essa quase ideal modulação entre uma abordagem saudosista, de natureza espetacular mas também orgânica por entender a dinâmica da junção de todos esses elementos operando em favor da coerência do filme. Se formos discutir as problemáticas da geopolítica no cinema blockbuster, então o lugar ideal é a produção de um paper a respeito, algo instigante, diga - se.

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