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Trem Bala: do cinismo cinematográfico e seus modos de fazer

  • Foto do escritor: danielsa510
    danielsa510
  • 18 de ago. de 2022
  • 3 min de leitura

Direção: David Leitch. Roteiro: Zak Olkewicz. Produção: Antoine Fuqua. Montagem: Elísabet Ronaldsdóttir. Fotografia: Jonathan Sela. Som: Frank A. Montaño. Música: Dominic Lewis.


Do recorte de alguns filmes lançados nos últimos cinco anos, uma tendência que fica bem aparente é a que modula nosso olhar para um certo cinismo fílmico. Uma resposta que parece estar presente tanto nos níveis da escrita da dramaturgia (as falas e situações que os filmes movimentam) quanto no caráter mais plástico do modo como as imagens operam na tela (numa lógica de cartazes e letreiros impressos nos planos, por exemplo). Nada de novo, mas algo bem implícito nesta reflexão.


Na lógica das obras que parecem reger essa dinâmica, David Leitch é um realizador que encontra um lugar bem específico na atual linha do tempo cinematográfica. No caso de Trem Bala a impressão que ficamos é a de que o filme não se assume na experiência com o gênero da ação.


Longe de ser um problema, a mistura com outros elementos da comédia até se torna uma tendência na filmografia de alguns realizadores e estúdios nas últimas duas décadas. E considerando o trabalho de Leitch em si, essa talvez seja sua principal marca. Mas isso atesta ou reafirma algum lugar de irretocada distinção do realizador?


Não. De fato, o que esse seu mais recente longa traz na sua essência é essa vibe do filme de gênero que por um lado quer soar descompromissado sem ter de assumir qualquer compromisso mais concreto com a narrativa ali apresentada (algo que talvez ele tenha alcançado de certa forma em "Atômica") e por outro se projeta como um longa-metragem que aposta no uso de uma dinâmica dialógica "espertinha" no delírio de soar descontruído.


No fundo, só reflete essa espécie de cópia incapacitada da estilística de um realizador Master como Aleksey Balabanov e mais aproximadamente de um Quentin Tarantino pouco inspirado. Em termos práticos, essa linha mais assertiva e dinâmica, funcional garante uma maior textura para si quando o filme a utiliza em seu favor.


São basicamente todas as sequências de luta direta, com exceção do confronto do último ato que reverbera em negativo o desgaste da obra dentro do próprio esquema por ela proposto. Voltando ao início, entretanto, todos os embates entre os personagens desse primeiro terço da estória até funcionam bem.


Não há uma noção de proporção criativa no desenvolvimento desses encontros, mas eles revelam alguma força para o componente "plástico" que as coreografias corporais ali colocam em cena.


Quando isso se esvai, e a narrativa volta para o eixo do "plot" com a suas personagens desconjuntadas, pouco afeitas à empatia do espectador pelas vias daquilo o que eles mobilizam concretamente na dinâmica dramatúrgica, o filme de certa forma implode.


Mas essa é uma queda que ocorre não no nível da concretude de qualquer olhar. Para aquele que vê sob a ótica da falta de maiores referenciais, a cinematografia opera na esfera da perfectibilidade. E tudo bem. O cinema de gênero também está aí para propor narrativas não necessariamente para a posteridade. Esse aqui não é o caso.


Talvez por isso a intenção de destilar a lógica de certos conceitos universais na trama como "sorte e azar" , "espaço interno e externo", "vida e morte", "vingança e altruísmo". Mas tudo se dilui na perenidade da própria teia dramatúrgica em si.


Dos tipos frágeis em que o filme se apóia (o gatuno, o mexicano, o samurai, o inglês, a "mocinha em perigo") ao baixo virtuosismo com que as ações se desenrolam ainda que a locação do trem acione limitações mas também possibilidades, pouco sobra para o filme na intenção de que ele sobre nas nossas memórias ao final. E de fato, para o cinema de ação isso é muito pouco. É limitante.



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