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  • Foto do escritordanielsa510

Zona de Interesse: a câmara atemporal

Atualizado: 21 de fev.



Direção: Jonathan Glazer. Roteiro: Jonathan Glazer, Martin Amis. Montagem: Paul Watts. Direção de Fotografia: Łukasz Żal. Produção: James Wilson. Som: Tarn Willers. Direção de Arte: Joanna Kuś, Katarzyna Sikora.


Do lado de fora da sua grande casa de campo, o comandante da polícia do estado alemã, Rudolph Höss, fuma um cigarro ao fim de mais um dia de trabalho. Na imagem, a noite se aproxima e a parca iluminação da tarde, em descompasso, se esforça para jogar alguma luz que seja sob a figura do homem impassível em sua contemplação daquela jornada diária conclusa.


Dentro da sua mente, não conseguimos acessar os pensamentos do personagem de Glazer. Mas compreendemos a melancolia do retrato de um mal que naqueles primeiros anos da Segunda Grande Guerra, parecia não conseguir dormir, pelo menos não metaforicamente.


Porque naturalmente falando, a família Höss jamais perde o sono ao longo de toda a 1h40min de duração do filme. Talvez isso não se dê muito em função do horror velado pelos altos muros da construção, mas justamente pelo senso de propriedade que essas figuras têm do gesto e posições por elas ocupadas naquele contexto.


Antes da alienação, vem a ciência de uma causa mesmo. Por isso que distinguir a perspectiva do terror e da desumanidade ante a institucionalização do mal sejam fronteiras jamais cruzadas ou postas em contestação pelos membros dessas família ou pelos cidadãos daquela sociedade.


Essa é uma quebra no laço interpretativo da obra que poucas vezes é colocado em xeque, ainda que a narrativa opere por meio de válvulas de escape ou falsas pistas sobre aonde toda essa trama pode levar.


No meio de uma sequência onde um jardim é explorando em sua multi-coloricidade, uma imagem se dissolve de seu tons amarelos, brancos e pretos para um vermelho que inunda a tela inteira. E quando o encarnado toma conta de toda a projeção, um ruído bem grave, como de um sintetizador ou um sinalizador de um imenso navio nos desloca de algum ponto da década de 1940 para a terceira década dos anos 2000. Ou seria o contrário?


Estaria a distopia apresentada de um modo reverso na expressão criativa onde o filme percebe suas possibilidades? É no meio desse entretempo que o filme estabelece sua matéria, firma sua organicidade.


Uma vez que Glazer busca agenciar situações muito mais a partir das minúcias presentes em uma dinâmica de conflitos velados do que exacerbar confrontos diretos e poucos inteligentes. Para percebermos esses pontos de inflexão nessa estrutura, temos de observar parte daquilo o que parece estar supracitado nas construções de cenas.


Por exemplo, como o ato ou a problemática do adultério dentro dessa família militarista e nazista pode ser pontuada? A supressão do gesto ou do ato pode ser parte dessa resposta. Um homem está numa sala durante uma ligação telefônica quando uma mulher entre no cômodo, tira os sapatos, a bolsa e se recosta da cadeira em silêncio. Quando o telefonema acaba, ambos se olham e a cena acaba.


Nos arredores de um grande jardim ensolarado, uma mulher e um homem entram em uma estufa localizada naquele mesmo espaço. A senhora ordena que o empregado solte as madeiras que carregava nas mãos. Este a encara com resignação. Ambos se olham, a sequência acaba.


Em duas sequências distintas, Glazer executa o mesmo movimento para nos mostrar como as relações entre patrões e empregados, pagantes e proletários, se inter-relacionam nas sombras de uma sociedade envolta em aparências. O sexo até não se ratifica em ambas as conduções cênicas, mas resistem na nossa interpretação pela recombinação que fazemos ao lermos as imagens ou os atos não explicitados nesse arranjo.


E assim o filme segue. Jogando com as possíveis reencenações da política como um estado para a elaboração da maldade e da intolerância pela vida humana, sem que tenhamos, ao final dessa costura, esperar algo mais do que o choque propiciando pela fricção entre as linhas de tempo que não é repartido, mas contínuo e ressignificante. O horror está contido nessa câmara do tempo.

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